O Don Mário, como lhe chama Hugo Chavez...
Mário Soares
1. Não parece ter sido muito feliz a intervenção, feita com pompa e circunstância, através das televisões, pelo sr. Presidente da República, no último dia de Julho passado, quando a maioria dos portugueses se preparava para ir de férias, procurando esquecer, por um mês, os problemas graves e complexos que os esperam no regresso. Não porque o tema que levantou não tenha pertinência e não seja uma preocupação legítima que lhe respeita. Mas pelas expectativas criadas e pelo momento e a forma que escolheu para o transmitir aos portugueses. Quando tudo vai depender da maneira como os deputados o irão debater - e tentar resolver - quando a Assembleia da República voltar a reunir-se, depois de férias. A questão que o Presidente levantou é de natureza político-constitucional e, na fase em que se encontra, cabe ao Parlamento agora pronunciar-se e não aos portugueses em geral. É por isso que vivemos em democracia representativa e num Estado de direito. E ao Presidente da República cabe a última palavra, quando tiver de homologar ou não o Estatuto. Por isso terá sido inoportuna - no tempo e na forma como a fez - a comunicação do Presidente da República.
Quando os portugueses comuns estão preocupados - talvez mesmo angustiados - com outras questões, bem mais importantes, para eles, sejam continentais ou insulares: o custo de vida, a subir de forma exponencial; a crise energética e os seus efeitos nas bolsas de todos nós e nas empresas; a crise financeira, que afecta directamente todos os que têm acções na bolsa e, indirectamente, os que as não têm; o desemprego, que está a crescer não só em Portugal como na nossa vizinha Espanha, o que também nos afecta, a prazo; o escândalo da corrupção, que alastra por todo o espaço europeu e, entre nós, quando se corre o risco de suspender e arquivar os processos que resultaram da chamada "Operação Furacão", do "Apito Dourado" e outros (o que seria um escândalo e contribuiria para o descrédito definitivo da justiça portuguesa); a paralisia e crise em que está mergulhada a União Europeia - e nós com ela -, que tanto nos toca, quer queiramos quer não; a "bolha" do imobiliário, que de Espanha se repercutiu em Portugal; e tantos outros problemas que os portugueses sentem na carne.
Ora, sobre tudo isto, o sr. Presidente tem-se referido sempre de fugida, muito discretamente, em breves respostas a perguntas circunstanciais que lhe fazem. Mas nunca fez um discurso de fundo. Não para pôr em causa a famosa cooperação estratégica com o Governo - que os portugueses têm, na sua maioria, apreciado -, mas para dar a conhecer o seu pensamento, aos portugueses, e indicar um rumo de esperança, quanto ao futuro.
Era isso, julgo, que todos esperavam quando foi anunciada uma "importante" comunicação do Presidente aos portugueses. Daí a frustração que se seguiu à comunicação do Presidente, que a maioria não terá sequer compreendido. Uma frustração que não deve repetir-se...
2. George W. Bush, no final do seu mandato, está a ser obrigado, pela força das coisas, a renegar as suas convicções neoliberais. Foi o que aconteceu, discretamente, sem publicidade, em 30 de Julho passado, quando promulgou um ambicioso plano de ajuda para tentar salvar o sector imobiliário da dramática crise em que se encontra. Cerca de 400 mil proprietários de habitação, cujos juros e dívidas à banca não podem pagar, vão ter a possibilidade de recorrer a um fundo criado especialmente pela Administração Federal, no valor de 300 mil milhões de dólares, para se refinanciarem.
Quer dizer: o jogo livre do mercado é invertido pela intervenção do Estado para financiar os proprietários endividados. John Maynard Keynes tinha razão - e não os neoliberais - ao preconizar que a economia depende da política e não o contrário, motivo pelo qual o Estado deve ser forte e interventor, porque, em momentos de crise económica ou de grandes catástrofes naturais, os privados fogem e todos se voltam para o Estado, a pedir protecção.
Bush agiu assim forçado pelas circunstâncias, quando já está de saída, e deixará, segundo as melhores estimativas, um deficit de 480 mil milhões de dólares. Ao contrário de Clinton, que deixou um considerável superavit. Note-se que Bush foi apoiado nesta medida mais pelos representantes e senadores democratas do que pelos republicanos (três quartos dos republicanos na Câmara dos Representantes votaram contra). Muitos dos seus correligionários mais fiéis criticaram - e criticam - a medida tomada por Bush.
Curiosamente, quase ao mesmo tempo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou o seu estudo anual sobre o estado da economia americana. E lembrou - o que foi igualmente significativo - que a reforma da regulamentação financeira e imobiliária é necessária e urgente.
Realmente, a Reserva Federal Americana (FED), o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco Nacional Suíço anunciaram, em finais de Julho, um reforço concertado de refinanciamento dos bancos comerciais e de investimento. Porquê? Para tentar travar a crise de crédito, aumentando a liquidez dos mercados monetário e interbancário. Trata-se de evitar que alastre a crise financeira, considerada já pior do que a de 1929. Mas há a recessão, o desemprego, a crise energética e alimentar, o pânico nas empresas e nas bolsas... O que será preciso mais para que se compreenda que o sistema neoliberal, que nos tem dominado, se transformou num desastre total que é preciso eliminar de vez?
Obs: Mário Soares, numa penada, "arruma" o psico-drama de Cavaco e as convicções neoliberais de G.W. Bush. Aos oitenta e tal anos o patriarca da democracia em Portugal revela o esplendor da sua lucidez. Corta a direito, afirma ideias e convicções de sempre, goste-se ou não dele. Se nas últimas eleições presidenciais Soares cometeu múltiplos erros, entre os quais o de se recandidatar e até de ter sido incorrecto para Cavaco numa entrevista televisiva, agora Mário Soares, com o distanciamento que lhe é reconhecido, avalia fria e objectivamente os factos, os quais não "casam" com o psico-drama de Belém - que apenas foi representado para que o seu promotor registasse as reacções da plateia neste palco que é a vida. Esperemos que cavaco não abuse da sua sorte nem faça um uso indevido dos media, como se estivesse a "vender gato por lebre" deixando alguns estragos psicológicos no país - que não acompanhou Belém nessa representação pouco edificante e muito dissimuladora. Os portugueses (já) não são parvinhos, cresceram com a própria maturidade da democracia e sabem hoje muito bem distinguir um gato duma lebre.
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A ameaça proteccionista, in Público
Na semana passada fracassaram as negociações do comércio internacional, iniciadas em Doha há sete anos. Numa tentativa para evitar o colapso deste longo esforço de liberalização das trocas, a Organização Mundial do Comércio (OMC) reunira em Genebra os sete grandes blocos comerciais do mundo (EUA, UE, Japão, China, Índia, Brasil e Austrália). Em vão.
Com eleições nos Estados Unidos em Novembro e na Índia em Maio de 2009, e indo mudar a Comissão Europeia, só por milagre as negociações da OMC poderão retomar antes de 2010. Quando se esperava um acordo que desse algum ânimo à deprimida confiança económica prevalecente na Europa e nos Estados Unidos, afinal surgiu mais um motivo de pessimismo.
Curiosamente, a nossa comunicação social deu escasso relevo a este assunto. No entanto, destas negociações dependia boa parte do futuro bem-estar económico dos portugueses. É o paradoxo da globalização: numa época em que coisas que acontecem a milhares de quilómetros têm influência na nossa vida, muitos não querem saber dessas maçadas, para se concentrarem em eventos locais ou em faits-divers. E os media seguem os gostos das audiências.
As negociações falharam porque a Índia e, em menor grau, a China queriam proteger a sua agricultura de subsistência com uma cláusula de salvaguarda, permitindo-lhes subir os direitos aduaneiros em caso de forte aumento das importações ou de queda nos preços destas. O proteccionismo agrícola não é um exclusivo dos países desenvolvidos.
Os EUA não aceitaram o baixo nível a partir do qual poderia funcionar esse mecanismo de emergência. Mas trata-se de uma questão menor, comparando com o tudo o resto que estava em jogo. Ela ter levado ao colapso das negociações mostra como, hoje, o vento não sopra a favor do livre comércio.
Decerto que ninguém tinha grande esperança no sucesso desta ronda. Até porque já expirou a disposição do Congresso americano (fast track) segundo a qual ele teria de aprovar ou rejeitar o acordo em bloco – mas não o poderia modificar. E também porque não havia consenso entre os países da UE, sendo duvidosa a ratificação de um eventual acordo pelos 27. Sarkozy, por sinal Presidente da UE em exercício, fez tudo para torpedear as negociações, em nome dos interesses dos agricultores franceses (talvez, também, para agradar aos agricultores irlandeses, facilitando um “sim” num eventual novo referendo na Irlanda sobre o Tratado de Lisboa).
Este fracasso abala a OMC como reguladora do comércio internacional, fragilizando os esquemas multilaterais, que tenderão cada vez mais a ser substituídos por acordos regionais e bilaterais. Mas os principais perdedores são países africanos e outros menos desenvolvidos, que nem participaram nesta reunião em Genebra. Países que não irão, assim, beneficiar de maior acesso ao mercado dos países ricos, indispensável para o seu desenvolvimento.
Do mesmo modo, países grandes como o Brasil, a China e a Índia tinham aceite abrir mais os seus mercados às importações industriais e de serviços financeiros provenientes de economias desenvolvidas – mas tudo isso ficou sem efeito.
A mais séria consequência deste desaire da globalização é ter desaparecido um possível travão ao avanço do proteccionismo. Para já, com o falhanço da OMC em Genebra desvaneceram-se as expectativas de reduzir o proteccionismo agrícola dos países desenvolvidos, responsável por grande parte da miséria dos agricultores dos países pobres, e muito penalizante para o Brasil. E o proteccionismo poderá agora avançar noutros sectores, prejudicando todo o mundo.
Obama defendeu posições proteccionistas nas eleições primárias. Depois atenuou-as um pouco, mas o maior problema é o Congresso, dominado pelos democratas. Cedendo ao populismo e ao lobbying dos directamente afectados pela concorrência externa, e esquecendo o interesse dos consumidores e da economia americana em geral, os congressistas de Washington irão provavelmente reagir à recessão que ali se avizinha travando as importações, da China e não só.
Depois de tanto se acusar a globalização de ser feita á medida dos interesses americanos, é agora dos EUA que, ironicamente, parte o mais sério ataque a essa globalização. Más notícias para os outros países, entre eles os mais pobres. Portugal não ficará imune.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Uma reflexão crucial porque de importância vital para a economia mundial, europeia e portuguesa. Seria sobre estes temas candentes que os portugueses pensavam que o sr. Presidente da República se pronunciasse naquela blitzkrieg comunicacional à nação, e que ganhou forma através de anúncio oculto que um assessor deu ao jornal diário Público. O PR falhou o alvo acerca do que é vital de momento para a economia nacional, e os media - incluindo o Público - pouco ou nenhuma importância deram a mais uma ronda de comércio internacional falhada.
Portanto, informe-se Belém que os portugueses não gostaram de ser manipulados por Cavaco na sua faladura, e também não apreciaram a forma como o jornal do engº Belmiro marca o seu agenda-setting, denunciando vistas curtas, incapacidade de pensar o mundo em termos informativos e, no limite, um jornalismo sofrível prestado aos portugueses.
Tudo visto e somado pergunte-se ao engº Belmiro se não acha que ganharia muito mais se arranjasse um director a sério para um jornal de referência em Portugal, e que tão bons jornalistas e articulistas tem.
Parece que só o seu director é que tem vistas curtas e está ali a mais - comprometendo o trabalho colectivo do jornal, que em regra é bom e criativo...
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