sexta-feira

O Pacto - por António Vitorino -

O PACTO
António Vitorino
jurista
O Pacto sobre Imigração constitui uma das grandes prioridades da presidência francesa da União Europeia.
Ela corresponde a uma política identificada como prioritária pelas opiniões públicas dos países da União antes do alargamento de 2004. Já nos novos Estados membros tal prioridade é menos sentida, em parte porque na sua agenda a principal preocupação tem a ver com a liberdade de circulação dos seus próprios cidadãos. Embora o curioso seja que com o desenvolvimento económico destes Estados graças à entrada na União muito provavelmente num curto espaço de tempo eles venham a tornar-se em países de destino de assinaláveis fluxos migratórios.
O Pacto foi bem acolhido pelos ministros do Interior da União, reunidos informalmente em Cannes, e será agora debatido para que conste das conclusões do Conselho Europeu de Outubro.
Sabe-se que na recta final houve dois temas difíceis de acordar.
O primeiro refere-se ao poder de cada Estado decidir legalizar os imigrantes ilegais que se encontram no seu território. A intenção da presidência era a de limitar esse poder discricionário, o que era entendido como uma crítica implícita à legalização de 600 mil ilegais levada a cabo recentemente pelo Governo socialista de Espanha (silenciando, aliás, a que foi feita em Itália há três anos na mesma ordem de grandeza pelo então Governo Berlusconi...).
A solução adoptada foi muito diluída quando comparada com a intenção inicial. Com efeito, os tratados da União consagram o poder de cada Estado decidir quantos e quais os imigrantes que admite no seu território. Seria difícil compreender que essa liberdade de admissão já não existisse quando se tratasse de legalizar os que se encontram irregularmente presentes no seu espaço nacional!
Claro que a posição francesa parte de uma verificação incontestável: a decisão de um Estado de legalizar irregulares tem sempre um impacto directo nos restantes países da União, até pela ausência de fronteiras internas. Mas a resposta a estes impactos terá antes que ser encontrada através de uma política europeia que permita a coordenação das políticas nacionais de admissão, matéria que o Pacto infelizmente não aborda, o que constitui a sua maior debilidade.
Acresce que só através dessa coordenação será possível responder ao segundo paradoxo da situação actual: muitas vezes, os imigrantes legais num Estado membro transitam para um outro Estado membro, nele buscando e encontrando ocupação laboral, mas tornando-se neste segundo Estado... ilegais! Logo, sem mais transparência e melhor coordenação à escala europeia, as políticas de admissão exclusivamente nacionais acabam por alimentar a circulação de imigrantes ilegais...
O segundo ponto controverso dizia respeito à ideia de ser celebrado um contrato de integração entre os imigrantes e a sociedade de acolhimento. Ela também acabou por ser acolhida de forma muito mitigada, embora neste caso não se perceba muito bem as razões pelas quais se tentou cobrir com um manto diáfano uma proposta francesa que me parecia fazer todo o sentido.
Na realidade não há um direito à imigração. A imigração é uma oportunidade, uma escolha do imigrante e uma decisão de aceitação da sociedade de acolhimento. A convergência destas duas vontades deve traduzir-se num compromisso recíproco.
A sociedade de acolhimento, se quer ser coerente no combate à imigração ilegal, tem que fazer assentar a política de admissão numa visão integrada baseada em direitos e obrigações que reconhece aos imigrantes. Estes, por seu turno, têm que aceitar um conjunto de regras de integração, desde logo as que dizem respeito à aprendizagem da língua do país onde vão viver, sem cujo conhecimento nunca poderá haver uma integração bem-sucedida.
O desafio é, pois, duplo. Os países de acolhimento têm que investir nas condições de integração e numa política de admissão coerente com as efectivas capacidades de integração. Os imigrantes têm que respeitar as regras comuns de coesão e convivência das sociedades onde se pretendem integrar.
É que a diversidade cultural não significa relativismo dos valores.
Obs: Divulgue-se - intra e extra-muros.