terça-feira

O fracasso do G8 - por Mário Soares -

O FRACASSO DO G8, in dn
Mário Soares
1 . Nunca percebi qual a legitimidade política do G8 e por que razão um directório dos países mais ricos do mundo deveria ocupar-se - e tentar dirigir - da política mundial, à margem das Nações Unidas. No entanto, dada a irrelevância das últimas reuniões - e nomeadamente da última, que teve lugar em 7 a 9 do corrente mês de Julho, no Japão, talvez não tenha muito interesse, agora, tentar desmontar esse mistério da política internacional...
Numa situação de crise mundial - desdobrada em várias crises específicas - iniciada nos Estados Unidos, mas que está a estender-se, e com que velocidade, à Europa e, obviamente, aos países pobres de África, com repercussões na Ásia, é geralmente reconhecido e urgente, agora, regulamentar a globalização, dotando-a de regras éticas e transparentes, capazes de introduzir alguma ordem no capitalismo financeiro-especulativo (dito de casino), que está a conduzir o Ocidente ao desastre, gera, de um dia para o outro, fortunas colossais, nos chamados paraísos fiscais e leva à falência, ou perto disso, empresas centenárias como a General Motors ou grandes bancos até agora respeitáveis, para dar só dois exemplos entre algumas dezenas de outros...
Tratou-se disso no G8, como estava anunciado? Silêncio. Nada, porém, resultou de concreto. Está também em cima da mesa, e é muito urgente, a questão ambiental - as alterações climáticas, que tanto preocupam as pessoas - e tantas outras questões prementes, relacionadas com o tema, como as lixeiras nucleares que estão a matar a biodiversidade dos oceanos. Também nada de significativo foi resolvido. Houve novo adiamento, agendando o assunto para melhor oportunidade...
Ah!? Mas África estava convocada para o G8 do Japão, uma vez constatado o fracasso da reunião realizada no Reino Unido (ainda no tempo de Blair) com inúmeras promessas não cumpridas. Toda a África? Claro que não. Seria complicado, dados os problemas e conflitos existentes. Sete países, a saber: África do Sul, Argélia, Senegal, Gana, Tanzânia, Nigéria, Etiópia (uma parte ínfima da África de expressão islâmica, francesa e inglesa, com exclusão da África lusófona).
Aconteceu ter-se dado uma verdadeira confrontação entre os africanos presentes e os outros, com queixas e acusações de parte a parte... De um lado a corrupção, o nepotismo e a arbitrariedade dos Governos africanos; do outro, as promessas de auxílio feitas e sempre adiadas... Mugabe não foi condenado, como queriam os ocidentais. Nem podia sê-lo, com o voto dos africanos que têm telhados de vidro... E, por outro, as promessas de ajuda foram adiadas, mais uma vez, em época de crise, para nova reunião. A excepção foi a sr.ª Merkel, que confirmou e aumentou a ajuda alemã a África. Honra lhe seja.
A reunião do G8 teve ainda a presença de Dmitri Medvedev, em substituição de Putin, uma estreia silenciosa, sem história, e a costumada ausência de um projecto coerente e concertado para a crise e a falta de vontade dos tristes governantes ocidentais para a resolver. Uma irrelevância política absoluta. Esquecia-me: no final, plantaram colectivamente algumas árvores, o que foi um gesto bonito. Sem dúvida...
2. A presidência francesa da União. Até agora não se compreendeu bem o que irá ser a presidência francesa. Há ideias, há problemas, há iniciativas, algumas contraditórias, mas qual o projecto coerente e concertado para a União, após o "não" irlandês? Quanto a isso, a resposta não é clara. Qual é o caminho que se tenciona seguir? Se é que há algum, coerente e corajoso.
São os próprios jornais franceses que se interrogam: "Estarão Sarkozy e Kouchner verdadeiramente à altura da situação?" Haverá algum projecto - para discutir e aprovar - de modo a reanimar a União Europeia, a "União Política", da qual Sarkozy disse, há dias, curiosamente, ser partidário, e evitar a paralisia que está, de novo, a contaminar toda a Comunidade?
Penso que ninguém será capaz, mesmo em França, de responder a esta interrogação. Para o "hiper-Presidente", Nicolas Sarkozy, em constante agitação, o Estado é ele. É ele que quer protagonizar todas as políticas mediaticamente importantes. Quanto à política externa, deixou de ser delineada e executada no Quai d'Orsay, onde Bernard Kouchner também se agita muito, como o seu Presidente, mas conta muito pouco, no dizer de toda a gente. Tudo se passa no Eliseu, onde Jean-David Levitte, discreto, homem-sombra e de confiança de Sarkozy, prepara e tenta executar os golpes, as viagens e as ideias, que nascem e morrem na cabeça do chefe, numa deriva permanente, sempre influenciada pelos media e pela actualidade, em busca de espectacularidade. Vai ou não vai aos Jogos Olímpicos chineses? Abandona ou não o Tibete à sua triste sorte? Interessa-se ou não pelos Direitos Humanos quando recebe Kadafi ou agora, no 14 de Julho, o recém-amigo Bachar al-Assad, da Síria? Tudo e o seu contrário.
Tudo isto são pequenas histórias - e mesmo a tão badalada reunião da União Mediterrânica, da qual inicialmente ninguém sabia o que ia sair - o grande desígnio geopolítico de Sarkozy. Não creio que nada de muito positivo possa resultar para além da espuma transitória dos efeitos mediáticos.
Ora, durante a presidência francesa, o que deveria contar, acima de tudo, era resolver os problemas europeus e acabar com a paralisia em que está a União. Será Sarkozy capaz de subordinar à União Europeia a política externa francesa, de que tanto se ocupa, como projecto pessoal? É aí que reside a grande incerteza. Para todos os europeus. Porque quanto à União Europeia, e ao seu próximo futuro, o silêncio tem sido, até agora, a regra... Quando tudo se joga, para a União, até ao fim de 2008...
Obs: Apetece dizer, na simplicidade das verdades, que Mário Soares está mais lúcido e sagaz aos "80s" do que nas décadas de 70/80 e 90 do séc. XX - em que actuava como protagonista duma história que nem sempre comandava. Soares é, hoje, um homem lúcido que vai denunciando as fraquezas deste imenso mundo vazio, destes players e duma ausência total de ideias políticas, estratégias que parecem ter sido engolidas pela matriz ideológica e a práxis política imposta pelo Consenso de Washington lavrado na década de 90 (séc. XX) - que originou a globalização predatória. Do G8 passando por Sarkozy até ao actor sarkozy - nada resisti à espuma dos dias. Ou seja, o mundo hoje ainda consegue ser mais estéril do que algumas reuniões do Conselho de Ministros ocorridas na década de 80..., em que Ernâni Lopes tinha de assumir o comando dos trabalhos enquanto outros adormeciam ou não gostavam dos "dossiers".
Numa palavra: o mundo está perdido e a Europa não se encontra.