sexta-feira

IMAGENS - por António Vitorino -

IMAGENS [link] António Vitorino

jurista

A crueza das imagens televisivas dos confrontos no bairro da Quinta da Fonte impele a que confundamos tudo.

Nestes momentos importa não ceder às primeiras impressões (como, por exemplo, a de tentar ligar os acontecimentos à "imigração", numa leitura precipitada e infundada...) e saber distinguir as manifestações exteriores e as causas dos acontecimentos.

Tratou-se de um grave problema de violação da ordem pública. Os seus responsáveis têm de ser identificados e punidos, independentemente da motivação dos confrontos. Quem viola a lei tem de ser responsabilizado.

A violência prende-se com a existência de um tráfico de armas. Há que prosseguir na aplicação da lei de recuperação e apreensão de armas, tendo sido confiscadas cerca de duas mil entre Janeiro e Abril deste ano, mais de 170 das quais na zona de Loures. Isso significa que esta é uma área prioritária de intervenção.

As causas dos confrontos prendem-se com a existência de grupos organizados ligados a formas de delinquência. Pois é então necessário reforçar o policiamento de proximidade para isolar os radicais e delinquentes (sempre uma minoria numa comunidade que na sua esmagadora maioria é respeitadora da lei e quer viver em tranquilidade e segurança) e prevenir estes actos actuando sobre as suas actividades criminosas.

Há questões de índole social que estão na base destes incidentes, sem dúvida. Mas a exclusão social não constitui causa de desculpa da violação da lei.

Tanto mais que a autarquia de Loures tem um vasto trabalho de combate à exclusão social há vários anos e muito especificamente junto das minorias religiosas e étnicas do concelho. Silenciar o mérito deste trabalho só por causa daquelas imagens de violência é acima de tudo uma grande injustiça e um desincentivo ao trabalho daqueles serviços sociais, da câmara e do Estado, que actuam no concelho.

Durante muito tempo pensámos que a sociedade, por si só, cuidaria da integração e do combate a fenómenos de exclusão relacionados com a diversidade étnica e cultural. É esse défice de anos que estamos agora a pagar. Tal como a pouca atenção dispensada a estas dimensões culturais nos planos de realojamento.

A aceitação das diferenças exige pedagogia cívica e mecanismos eficazes de integração social. As reacções racistas e xenófobas não estão indexadas a nenhuma cor de pele em especial. Os conflitos recentes na África do Sul falam, a este propósito, de forma eloquente.

Mas não se pode pedir às polícias que façam aquilo que não compete às polícias. Tem de ser o Estado no seu conjunto e também a sociedade civil, com a colaboração das associações representativas das comunidades em presença, a enfrentar o problema e a encontrar para ele soluções.

A mediação pública é, pois, um factor de apaziguamento das tensões e de incentivo ao diálogo e à concertação. Esse é o exemplo que merecia ser também traduzido em imagens televisivas.

Nota: Morreu Bronislaw Geremek num brutal acidente de viação na Polónia. Desaparece uma das figuras mais marcantes do panorama político polaco e europeu. Alguém que se distinguiu pela fidelidade aos princípios e por um empenhamento na reunificação europeia para além das sequelas da divisão provocada pela Guerra Fria. Era deputado ao Parlamento Europeu e um dos poucos pensadores que viam na Europa mais do que um mercado um espaço de cultura e de convivência cívica. Não é possível deixar de lhe prestar aqui uma homenagem por parte de quem continua a acreditar que ele tinha razão.

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Faleceu Bronislaw Geremeck

Geremek was born in Warsaw, Poland on March 6, 1932. His father, a rabbi,[1] was murdered in Auschwitz[2]. His mother and he were smuggled out of the Warsaw Ghetto in 1943 and were sheltered in another Polish family's home.[clarify] (in Wikipedia)

In 1954 Bronisław Geremek graduated from the Faculty of History at the Warsaw University, and in 1956-1958 he completed postgraduate studies at the Ecole Pratique des Hautes Etudes in Paris. He completed his PhD in 1960 and in 1972 he was granted a postdoctoral degree at the Polish Academy of Sciences (PAN). In 1989 he was appointed associate professor.

The chief domain of Geremek’s scholarly work was research on the history of culture and medieval society. His scholarly achievements included numerous articles and lectures, as well as ten books, which have been translated into ten languages. His doctoral thesis (1960) concerned the labour market in medieval Paris, including prostitution. His postdoctoral thesis (1972) concerned underworld groups in medieval Paris.

Almost the whole of Geremek's scholarly career was connected with the Institute of History of the Polish Academy of Sciences, where he worked from 1955 to 1985. However, from 1960 to 1965 he was a lecturer at the Sorbonne in Paris and the manager of the Polish Culture Centre of that university. Geremek was given honorary degrees by the University of Bologna, Utrecht University, the Sorbonne, Columbia University and Jagiellonian University in Krakow. In 1992 he was designated visiting professor at the College de France. He was a member of Academia Europea, the PEN Club, the Societe Europeenne de Culture, and numerous other societies and associations."

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Partilhamos aqui uma pequena reflexão da autoria de Geremek, um schollar de boa formação que depois fez carreira política. Um nome a não esquecer na história geral da Europa.

“Na Europa do século XIX ainda encontramos em certa literatura polemística e no pensamento social uma visão da pobreza como uma “doença vergonhosa” da sociedade moderna que urge debelar por meios novos. Concomitantemente, porém, assiste-se a uma gradual reformulação da abordagem conceptual das análises sociais e do estilo do discurso ideológico. A crise dos programas filantrópicos, o despertar da consciência social das massas e as mutações nas estruturas da vida política fazem com que seja praticamente eliminado da linguagem económica e social o termo “pobreza” (e “miséria”): porque carrega um sentido subjacente de piedade, apresenta-se como um juízo de valor que confere uma atitude de superioridade ao que o emprega. Essa carga semântica emotiva torna-o demasiado ambíguo para servir de instrumento de reflexão e, portanto, pouco operacional nas investigações da ciências sociais. Todavia, quando se estuda o fenómeno nos seus aspectos históricos (…) assiste-se igualmente ao acentuar da tendência para enquadrar a questão da miséria no âmbito (…) da análise das causas das desigualdades sociais e da repartição do rendimento nacional vem substituir a tradicional problemática da pobreza.” (Bronislaw Gemerek, A Piedade e a Forca. História da Miséria e da Caridade na Europa, Lisboa, Terramar, 1995, trad. de Maria da Assunção Santos). Duas notas:

1. António Vitorino - deixou assentar a poeira, pôs os óculos de investigador social e, uma semana volvida sobre os acontecimentos violentos ocorridos no bairro da Quinta da Fonte em Loures - avaliou com precisão as causas dos males que desencadearam aqueles actos de violência, que devem ser rápidamente punidos. Até para não se abrirem precedentes no país e gerar um clima de impunidade com essas essas minorias, apenas porque são minorias. O que seria uma injustiça relativa na aplicação da lei com os demais cidadãos portugueses. Por extensão, AV - não diagnostica apenas mas também sugere um caminho a seguir, o que passa por um novo envolvimento do Estado, autarquias e sociedade no relacionamento com tais minoriais - que, não raro - reproduzem esquemas de racismo invertido mais virulentos que, porventura, existem entre negros e caucaseanos.

2. Evocar o falecimento do historiador Geremek é ao mesmo tempo uma nota triste e uma preocupação intelectual aliada a uma reflexão política, desenvolvimentista. Ou seja, Geremek era um homem preocupado com o lado mais fraco da sociedade, tinha consciência social e queria combater a pobreza, nas suas mais variadas frentes. Sabia que todos os dias todos assistíamos ao fiasco do neoliberalismo - que a drª Ferreira leite defendia aquando ministra das Finanças - mas que agora tem o "social" como preocupação. É óbvio que ninguém acredita nela, salvo os "antónios pretos" que andam por aí. Geremek sabia que aquele sistema ideológico assente no dogma ou na ilusão duma auto-regulação da economia (dita) mercado revelava uma estrondosa incapacidade de se gerir a si próprio, de controlar as forças predadoras que suscita e, por último, no fim da linha social, de dominar os efeitos sociais devastadores que provocava nas classes e grupos mais desfavorecidos. Geremeck tinha essa consciência histórica do lado mais forte do neoliberalismo que não "casava" com o lado mais fraco da sociedade.

Numa palavra: Geremeck - não era daqueles eurocratas que andava por Bruxelas vendendo "cherne" a pataco, passeando o seu ego estéril. Era antes um homem estruturado intelectualmente, de boa formação humana, com uma enorme consciência social, o que fazia dele um europeísta convicto que formulava a sua filosofia de acção (Não) na nevrose do lucro nem no engodo pelo proveito próprio e pelo ganho em estado puro, mas alguém que acredita na Europa, como acima AV sublinha na sua "nota" - mais como um espaço cívico e de valores do que o espaço do mercado - sempre regido pela leisinha da oferta & procura que premeia os "tubarões" e come os "chernes". O problema reside em quando estes se convertem naqueles...

A história geral da Europa do séc. XX-XXI ficaria muito incompleta se não lhe fizer uma referência assinalável.