O enigmático artigo 40.º - por Marta Rebelo -
MARTA REBELO
O enigmático artigo 40.º
Conhecida a decisão do Tribunal de Contas (TC) sobre o empréstimo de saneamento financeiro que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) pretende contrair, deveria ter conhecido fim não apenas a difícil situação da edilidade, mas também as muitas dúvidas jurídicas que se foram levantando a respeito do art. 40.º da Lei das Finanças Locais (LFL). Porém, a recusa do visto prévio – ou seja, o chumbo da pretensão lisboeta – não resolveu o problema, e o acórdão que dá corpo à decisão do TC aumentou a teia de dúvidas interpretativas. Trocando por miúdos, e escapando ao discurso jurídico puro: o TC não disse, como muitos previram, que o empréstimo deveria ser contraído ao abrigo do artigo. 41.º da LFL (que trata de casos de ruptura financeira ou desequilíbrio estrutural) em vez do art. 40.º (para situações de desequilíbrio conjuntural), aceitando que a conjuntura ou a estrutura são de apreciação municipal – ou governamental, em segundo lugar – mas nunca jurisdicional, do tribunal. E também não disse que a CML não pode contrair o empréstimo de saneamento financeiro de 360 M. Nem sugeriu que o valor deveria ser inferior, referindo até um valor superior a propósito da dívida total do município. Não. O enigma transitou de um possível dueto entre 40.º/41.º para um solo do art. 40.º: o Plano de Saneamento Financeiro que a CML apresentou à Assembleia Municipal e que esta aprovou por unanimidade é ilegal, porque viola o próprio art. 40.º. E se assim é, o empréstimo, que é apenas uma das medidas daquele Plano, cai com ele. É este, então, o derradeiro conteúdo do já famoso acórdão do Tribunal de Contas. Ora, o enigma por resolver é este: pode aquele Tribunal analisar a legalidade e mérito do Plano de Saneamento Financeiro nos termos em que o fez? Ou terá o TC analisado, criticado e sugerido medidas de gestão financeira municipal que, consubstanciando escolhas políticas podem ser correctas ou erradas, mas que não violam lei alguma nos termos e grau em que se encontram detalhados? No meu entender modesto, o excurso do TC surge como uma lista de recomendações gestionárias excessivas, que extravasam a análise de legalidade financeira. E quais são os limites desta análise? A adequação e possibilidade das medidas, e a suficiência dos objectivos traçados no Plano. Só até aqui é que o Tribunal de Contas pode ir. E sem que haja absolutos: estamos a falar de um plano que abrange um horizonte temporal extenso (12 anos), de vectores que não apresentam um comportamento temporalmente uniforme e perfeito (maxime a receita), e de uma realidade que não permite um grau absoluto de pré-determinação executiva – a gestão não se compadece com absolutos, mas com objectivos, metas e possibilidades. O tribunal anda mal quando entende que esse juízo de legalidade é a mesmíssima coisa que uma análise absolutamente concretizada da exequibilidade do Plano, quando confunde exequibilidade com execução. E quando entende que é nesta análise que repousam os requisitos previstos no art. 40.º. Mas não é. A lei só é violada se o plano, de forma grosseira e negligente, contiver medidas inadequadas ou impossíveis, ou for irrealizável a avaliação da sua expectável suficiência. E se no domínio da adequação algumas dúvidas são legítimas, os esclarecimentos são possíveis e indutores da suficiência. Mas o TC parece avançar-se mais longe, fazendo sugestões substitutivas ou alternativas antónimas da verificação da conformidade com a lei e do grau de adequação e suficiência que a este Plano se exigem. Se as dúvidas iniciais se esclareceram e a jurisprudência do Tribunal de Contas evoluiu face ao acórdão de Oliveira de Azeméis, a interpretação dos poderes jurisdicionais quanto à avaliação do Plano motiva a crítica. Se não entendeu este enredo, das duas uma: ou falhei redondamente na explicitação da minha perspectiva, ou na sequência desta decisão do Tribunal de Contas o art. 40.º fez-se ainda mais enigmático.
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Marta Rebelo, Jurista
Obs: Confesso que gostei do artigo supra, exceptuando alguma linguagem em versão juridês de compêndio que a autora, futuramente, poderá limar e tornar mais ajustável ao formato josnalístico. Mas com o tempo vai. Quanto ao TC e aos ilustres lentes que por lá pululam digo aquilo que já escrevi: tanto excesso de zelo numa cidade com milhares de problemas, de buracos, de empresários à beira do suicídio - não se compreende por que razão o valor normativo decorrente das regras esmagou as necessidades políticas duma polis de carne e osso que já não respira, suspira. Lembro aqui que o dr. Guilherme d´Oliveira Martins (que me dá sempre muita piada porque me lembro logo de Mr. Bean, e ainda hoje há pessoas nos corredores TC que pensam assim, e outras há que em Inglaterra pensam que Mr. Bean já foi ministro da Educação e das Finanças de Guterres) - não podia exigir à CML a 11 anos aquilo que hoje não se exige a uma empresa a mais de 2 anos. É caricato, ou então anda-se desfasado do funcionamento do que hoje a eceonomia global. Tenho para mim que hoje o dr. Oliveira Martins já está arrependido daquela lamentável decisão, que não passou dum impulso estéril, e não por ser socialista ou ter sido proposto pelo governo PS para o cargo, como há dias um burro-velho da rua das Alfândegas proclamava do alto da sua idiotice mental, mas por causa dos fundamentos frágeis e deslegitimadores da Assembleia Municipal de Lisboa cuja missão é fiscalizar políticamente o Executivo. Assim sendo, não me parece que ao TC e aos eminentes juristas residentes devam - numa lógica da inversão de papéis nesta frágil democracia pluralista - assumir as funções da Assembleia Municipal e esta, por seu turno, fazer o papel de controlo da legalidade e de juiz das contas públicas que, por ter acordado mal disposto e com os pés de fora, resolve submergir a cidade - não já sob o peso das cheias mas sob a falta de common sense - que, por vezes, até aos mais ilustres humoristas britânicos falta. Sempre disse e repito que o dr. Guilherme foi um sofrível ministro das Finanças, um esquecível ministro da Educação, mas é alguém que ouço sempre com muita atenção sempre que resolve dissertar sobre Eça de Queiroz ou História Política Europeia contemporânea. E mais: entre a qualidade desta jurisprudência e o velho incêndio do Chiado - venha o diabo e escolha.
Quanto ao artigo supra recomenda-se aqui que se façam duas mil xerox e se envie - pelo menos metade - ao cuidado do TC. E, de caminho, libertar a outra metade ao vento no Terreiro de Paço. E se houver alguma tragédia, tipo suicídio por parte de algum empresário que não aguente a pressão da cobrança do crédito a que tem direito - envie-se também a conta do funeral aos eminentes decisores que suscitaram mais esta paralisia na vida e gestão corrente da cidade.
Mais: pergunto aqui aos membros do TC se um ou alguns dos seus membros tivesse amigos ou familiares donos de empresas credoras da CML como reagiriam?!
Como diria o meu amigo JAM (que até foi colega do "outro"), pergunto-me onde fica o Exílio?! Para alguns, a resposta é, certamente, no TC...
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