sexta-feira

SOL DE POUCA DURA - por António Vitorino -

SOL DE POUCA DURA [link]
António Vitorino
Jurista
A remodelação do Governo não correspondeu nem ao que uns antecipavam nem ao que outros reclamavam. As saídas de dois ministros verificaram-se a seu pedido e o seu impacto público resulta sobretudo de envolver o titular da pasta da Saúde, que estava debaixo de fogo nas últimas semanas.
Ficaram decerto desiludidos aqueles que defendiam (já há tantos meses...!) a teoria da remodelação "novo fôlego" ou "rampa de lançamento" para as eleições de 2009. A aposta na continuidade da equipa governativa, com pequenos ajustes a nível dos secretários de Estado, revela que se privilegiou a estabilidade do elenco e o conhecimento das pastas à tese (muito fantasista, aliás) do "efeito redentor" das remodelações governamentais.
O exercício de funções governativas é sempre fruto de uma opção pessoal. Embora muitos gostem de alimentar a retórica do sacrifício pessoal em nome da causa pública, a realidade é que, como disse o presidente Clinton em tempos, ninguém deve exercer um cargo em que não se sinta feliz. E nem se diga que esta visão das coisas representa uma cedência a um certo hedonismo muito em voga que sobrepõe os interesses pessoais e egoístas ao interesse comum. Na realidade, estar bem consigo naquilo que se faz é essencial para alcançar resultados e assim melhor cumprir a missão que lhe está confiada. Ainda mais quando essa missão é de natureza pública e se destina a servir o interesse geral da colectividade.
Claro que as opções pessoais, designadamente quando se apresenta a demissão de um cargo público, têm a ver com as condições envolventes para o seu exercício. A motivação, a força de vontade dependem também da avaliação que cada um faz das probabilidades de sucesso nas tarefas que pretende levar a cabo. A carta de demissão de António Correia de Campos neste aspecto revela grande dignidade e coragem, fazendo jus ao seu autor.
Mas claro que uma decisão pessoal de abandonar um cargo político, uma vez aceite pelo chefe do Governo, tem leituras políticas que estão para além da intenção do seu autor. No caso vertente, a sua saída do Governo foi apresentada como uma vitória do protesto popular ou mesmo, ainda que seja mais enigmático, uma vitória do Serviço Nacional de Saúde...
Embora com alcances distintos, estas duas explicações têm um fim comum: demonstrar que uma resistência persistente em torno do imobilismo de um sistema em vigor produz frutos. O mesmo é dizer que há limites para as reformas que alguns pretendem introduzir e que o tempo joga a favor das inércias e dos interesses instalados.
Estas conclusões constituem o problema político mais delicado com que o Governo terá de se defrontar se quiser prosseguir o rumo reformista que tem vindo a trilhar, e não apenas no sector da saúde.
As dificuldades de implementação das reformas na saúde já evidenciadas, os erros cometidos na coordenação no tempo e no espaço de medidas racionalizadoras e de meios alternativos que garantam tanto o acesso como a qualidade das prestações de saúde às populações, não podem permitir que se instale a ideia de que tudo está bem assim e se nada se tentar alterar até se podem poupar muitas maçadas (e a queda de mais um ministro).
Mas do mesmo modo haverá que compreender que as reformas necessárias no sector da saúde não podem ficar prisioneiras de uma preocupação exclusiva de contenção da despesa pública. Até porque, por vezes, para poupar no futuro graças a um sistema mais racional e que proporcione melhores cuidados de saúde, pode ser necessário investir na reforma agora, mesmo que esse investimento exija transitoriamente um aumento de despesa.
Quanto à eficácia da resistência às reformas, em larga medida, a sua avaliação depende do que a nova ministra e o Governo no seu conjunto fizerem nos próximos meses.
Se a substituição do principal protagonista da política servir para redefinir o enquadramento da reforma, ajustar melhor as prioridades, os meios disponíveis e a concertação de vontades e, desse modo, tranquilizar alguns dos anseios legítimos que a implementação recente suscitou, então a vitória da resistência pela resistência terá sido sol de pouca dura.
Obs: Correia de Campos, provavelmente, só deveria encerrar unidades de saúde quando disponibilizasse alternativas às populações, sob pena de contestação geral no país. Foi o que sucedeu. Nesta conformidade, um dos desportos semanais de maior prazer de Marcelo rebelo de Sousa consistia em molestar o dito ministro, a quem apelidava de excelente técnico mas de mau político, mormente por causa do défice de comunicação política: era má, dispersa e ilógica. Vem isto (também) a propósito de um vaticínio miserável (intelectualmente miserável senão mesmo idiota) que o próprio Marcelo fez relativamente às capacidades intelectuais e oratórias do actual PM, José Sócrates (que já deveria saber em intervenções no Parlamento). Ou seja, quando Sócrates tomou posse falou pontualmente através de teleponto, e logo veio o douto Marcelo - cujos programas eu já só ouço entre a dispensa e o quarto dos fundos, verberar que o homem era de plástico e não sabia falar porque decorava tudo a toque de caixa do teleponto. Veio a praxis política e outra coisa se demonstrou para azar de Marcelo, que teve de dar inúmeras vezes 16 val. a Socas. Quiça, o mesmo 16 que dava a MMendes - quando o analista de Cascais ainda pensava apanhar boleia de Mendes para Belém... Teve azar. Aqui, Marcelo perdeu em toda a linha. Mas isso só demonstra que Marcelo não dá ponto sem nó. Pois nem Mendes ficou na Lapa, Sócas saiu-lhe melhor do que a encomenda e Correia de Campos - que continua a ser um excelente técnico - saíu pelo seu pé. E agora que está livre da política talvez solicite a Marcelo um curso intensivo de "sacanice política" mitigado com alguns modúlos de "intiga palaciana" (dos tempos em que marcelo dirigia o Expresso...), vertente em que o analista também é muito experiente. De contributos políticos ao país Portugal deve Zero a Marcelo. ZERO.