A (re)legitimação por via da Descentralização: governo de proximidade num mundo globalizado
Uma das grandes contradições do nosso tempo decorre da necessidade de relançarmos o governo local (leia-se autarquias ou governos de proximidade) nessa equação que é o governo nacional - por um lado - e no governo da esfera da globalidade - num espectro mais alargado.
Com efeito, os governos locais e regionais têm hoje menos recursos do que as outras instâncias mais complexas da governação, que controlam os grandes fluxos de pessoas, capitais, tecnologias... Mas como os governos dos Estados - se actuarem isoladamente - estão cada vez mais limitados na sua esfera de acção (dada a complexidade transnacional dos problemas que exige cooperação e concerto), daqui decorre a sua escassa intervenção para controlarem muitas das coisas públicas sobre as quais antes tinham um controlo quase absoluto. Daqui decorre uma conclusão estratética que importa reter: as intervenções públicas que hoje são mais eficazes são as que se realizam em estrutura rizomática - à semelhança da configuração do gengibre - que cresce horizontalmente, e assim vai ganhando raízes e estruturando conceitos, medidas, estratégias e acções em rede, de forma coordenada, nos diferentes níveis do Estado que depois se convertem em nós desse campo de decisão que se pretende tomar. Ou seja, a capacidade efectiva da decisão política está hoje instalada na rede mais do que num actor ou num conjunto limitado de actores que, num dado momento, pretendem tomar uma decisão. Na prática, a rede sobrepõe-se à velha estrutura estadual e os nós duma rede são mais potenciadores de acção do que as tradicionais estruturas verticalizadas por onde dantes descia, tão rígida quanto hierarquiacamente, todo o circuito da decisão política desse velho Leviatão (T. Hobbes) - que hoje, consoante o ritmo de modernização das sociedades (e as resistências que se lhe opõem) - conseguem implementar. Descendo ao concreto: países como a Espanha ou os estados federados do Brasil - têm os seus governos locais (ou municipais) e regionais (as autonomias) que apresentam um maior potencial de flexibilidade no quadro da negociação dos fluxos globais que pretendem reclamar para as suas populações. Isto proporciona, naturalmente, uma relação também muito mais oleada com as respectivas populações. E aqui nem sequer serve de exemplo a relação chantagista e ao mesmo tempo paternalista que o Alberto Jardim da Madeira desenvolve com os seus conterrâneos e com a República. Mas num quadro geral, as populações podem expressar melhor as suas identidades culturais de um território, e com ele estabelecer mecanismos de participação, de governação, de informação e mobilização simbólica que aproveita a todos no âmbito dos seus interesses. Como? A sua capacidade de controlo político faz-se dia-a-dia, porque são também mais visíveis os actos públicos da governação, chamando todos à pedra com mais frequência e intensidade, do que o velho quadro das eleições de quatro em quatro anos. Tudo boas razões que podem explicar por que razão no mundo inteiro existe um movimento pela descentralização das instituiçõoes do Estado, por um lado para responder às aspirações e reivindicações locais e regionais, por outro corporizando motivos de natureza cultural que remetem para uma forte identidade local e/ou regional, mas, por último, também por um esforço consciente de racionalização política da parte do Estado, que assim encontra mecanismos alternativos para desmontar a velha centralização improdutiva e geradora de corrupção do Leviatão que só tem levado, ao longo da história, a um tremendo afastamento dos cidadãos das instituições legitimadas pelos poderes públicos, e a uma grande descrença dos cidadãos relativamente aos gentes políticos que os governam. Neste capítulo, nem é necessário a SEDES nos lembrar disso, e depois, caricatamente, apresentar no seu conselho editorial pessoas que só representam péssimos exemplos para a sociedade - porque fautores dessa corrupção (moral e política) do Estado, como é o caso do engº Joaquim FErreira do Amaral (o sr. "betão" ao tempo do cavaquismo) e doutros (Theias...) que foram colocados no governo Barroso com o fito de lotear grandes porções de terrenos nas proximidades da Península de Setúbal para servir intereses da banca... Banca essa que, curiosamente, hoje vê o seu presidente, um ex-secratário de Estado do Orçamento também do tempo de Cavaco muito doentinho, pelo que pediu renuncia a todos os cargos que exercia na banca... Daí que o eixo municipal, enquanto projecto de autonomização nacional e de descentralização autárquica, pode representar um filão inovador e mobilizador do programa de qualquer governo que se reclame da esquerda moderna. Não nos reportamos aqui à regionalização falida do tipo italiano, que conduziu a fenómenos ameaçadores patentes na fantasia da Padânia, mas isto não pode esconder o amplo movimento pela descentralização municipal e o crescente papel das cidades em quase todos os países europeus cuja estrutura se institucionalizou no Comité de regiões e cidades da Europa, o órgão de coordenação dos administradores regionais e locais, e que também é o órgão consultivo da Comissão Europeia. Nesta senda municipalista não é, pois, de estranhar a dinâmica de cidades como Barcelona, Roma, Paris ou Munique... Que representam hoje uma luz de desenvolvimento económico, tecnológico e cultural que tem servido para conferir uma importância crescente às cidades europeias no quadro da economia global, mormente a partir das iniciativas que essas cidades têm tomado através do seus governos locais. Sublinhemos aqui o caso dos EUA, que é um exemplo relativamente novo dado a história recente de formação daquele País-Continente, ou República-Imperial como lhe chamou o genial Raymond Aron. Nos EUA - para onde foi Tocqueville ao fingir que estudava o sistema prisional norte-americano, embora o objectivo (pre-meditado) fosse estudar as instituições, as leis, os costumes e a cultura daquele país - verificamos aí uma forte tradição ao mesmo tempo federal e municipalista, que se viu reforçada nos últimos anos. Anos que, curiosamente, têm posto de acordo democratas e republicanos nessa causa comum traduzida na reivindicação de conferir um papel crescente à dimensão local e regional - como se se tratasse de um tema prioritário da política da maior super-potência do mundo - que hoje confere muita importância às iniciativas federais. Isto revela bem a importância que o localismo tem hoje no mundo contemporâneo, e se assim é convinha que fosse equacionado o mesmo problema em autarquias como Lisboa, por exemplo, onde, desde logo, o organigrama da "casa" demonstra um gap exasperante diante da realidade com que está em confronto, coisa que só se faz com uma base sociológica mais expressiva e não numa fase intercalar. E aqui regressamos a uma velha questão, a reforma do Estado-nacional, a refoma da Administração pública e, num campo mais vasto, a reforma da sociedade e das mentalidades, dado que sem a alteração do quadro das mentalidades nenhuma das reformas é consentida, e se a todos os cidadãos opuserem resistência elas tendem a sossobrar, o que é mau para o nosso desenvolvimento (adiado). Numa palavra: por vezes é óptimo viajar e conhecer o que se vai fazendo noutros países, nem que seja para nos apercebermos de que a fórmula político-institucional que parece mais efectiva para garantir essa coordenação de vontades, desejos e de aspirações se consubstancia no denomimado Estado-rede. O tal que tem uma configuração rizomática, semelhante à do gengibre... PS: Reflexão dedicada ao um dos maiores filósofos da política de todos os tempos, Alexis de Tocqueville, ao nosso consultor-estratégico Casanova, pelo tom pseudo-administrativista destas notas - envoltas num banho politológico, razão por aqui não poderíamos esquecer o nosso "gato" - com quem ambos tanto temos aprendido.
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