Notas sobre 2008 - por Mário Soares
Uma estreia de Mário Soares no Macro.
NOTAS SOBRE 2008
Mário Soares
1 . 2008 vai ser um ano complexo e, sob alguns aspectos, muito difícil. Os Estados Unidos, motor do capitalismo financeiro, estão a dar sinais muito preocupantes. As bolsas estão descontroladas, contaminando o movimento bolsista internacional, de Frankfurt a Londres, de Tóquio a Singapura ou a Hong Kong; o valor do dólar não pára de descer; o déficit externo aumenta, com consequências negativas nos investimentos que vêm do exterior para a América; o preço do petróleo, ultrapassando os cem dólares por barril, não se sabe onde vai parar; o desemprego aumenta, criando uma crispação social de mau augúrio; bem como a inflação; o subprime deu origem a uma bolha imobiliária que condiciona negativamente todo o sistema.
Acrescente-se à recessão, que se adivinha, o descrédito internacional da política americana, as catástrofes anunciadas no Médio Oriente, do Iraque ao Afeganistão, do Paquistão ao Líbano, o agravamento do conflito israelo-palestiniano (a presença de Bush na região foi um não acontecimento), para não falar do "braço-de-ferro que se perpetua, com o Irão... Tudo isto, no pano de fundo das eleições presidenciais americanas, que se decidirão em Novembro próximo. Veremos se os americanos terão o bom senso de escolher uma mudança não retórica, que se traduza por uma ruptura a sério com o passado recente. É bem necessário que assim seja. Até pelas dificuldades que também atingem os países emergentes e o resto do mundo.
2. Será a União Europeia capaz de sair do impasse? A Presidência Portuguesa - devemos reconhecê-lo - deu um bom impulso, com o apoio da Senhora Merkel. Mas o Tratado de Lisboa será mesmo ratificado, durante o ano em curso, pelos 27 Estados membros? Essa é a questão principal com que estamos confrontados. Houve um bom sintoma: a adesão de mais nove Estados ao Espaço Schengen, uma manifesta prova de confiança no rearranque da União.
Mas é preciso mais. A União deverá tornar-se protagonista principal e autónomo, na cena internacional, com um modelo social que seja exemplar, sendo um factor permanente de paz, de segurança, de solidariedade e dos valores humanistas. Isto é: um longo e decisivo caminho político a percorrer.
3. Em Portugal, discute-se ainda se a ratificação se deveria fazer por referendo ou no Parlamento. Nunca fui grande entusiasta de referendos, partidário acérrimo como sou da democracia representativa. Mas propu-lo à Assembleia, em 1992, quando foi aprovado o Tratado de Maastricht, porque modificou radicalmente as condições da nossa adesão, apontando o caminho para a União Política dos Estados europeus (com o que, aliás, em absoluto, concordo).
Agora, não. Portugal que saiu de uma Presidência que deu um impulso incontestável ao avanço da União, daria, promovendo um referendo, um mau exemplo aos outros países, entre os quais alguns que o não podem fazer, como a França, o Reino Unido, a Holanda e talvez a Polónia. Seria pôr uma bomba de retardador no Tratado de Lisboa. Exactamente o contrário do que a Presidência Portuguesa procurou fazer, para salvar o Tratado, apagando os fogos e esbatendo as divergências...
4. Foi criada, em Paris uma nova dupla de confusão política e ideológica, quando o que se impõe é clareza nas ideias e nos princípios: a dupla, Nicolas Sarkozy/Tony Blair, em nome da modernidade. Que modernidade? Obviamente a que agrada ao grande capital, que é velha e está muito desgastada pelas promessas não cumpridas. Os tempos agora são diferentes. Há clarificações que estão a ocorrer, por força das circunstâncias. Contudo, a dupla pode fazer alguns estragos. Blair, recém- -convertido ao catolicismo, consultor político do banco norte-americano J. P. Morgan, ainda fala da "terceira via", apesar de desacreditada. Espero que não consiga convencer nenhum socialista consciente. Depois do Iraque e da Cimeira dos Açores, o mundo está noutra...
Obs: A jovialidade com que o dr. Mário Soares pensa e escreve é arrebatadora. Dá uma mão ao PM no Tratado de Lisboa (defendendo a ratificação parlamentar) e deixa lavrado as suas preocupações sociais: desemprego, pobreza, desigualdade. Tudo questões que parece cada vez menos dependem dos governos e mais das voláteis e ditadoras economias. Mas como hoje vivemos os nossos conceitos de trabalho em torno da política, caímos numa ilusão maior. Ou seja, as nossas lutas a esse propósito são tão alucinadas como as de D. Quixote contra os moinhos de vento. A questão é: Que Fazer? como diria o velho Lenine...
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