Nevoeiro dos mercados - por Francisco Sarsfield Cabral -
Nevoeiro nos mercados,
in Público, 16 Dez. 2007
Na terça-feira a Reserva Federal (Fed) americana desceu a sua taxa directora. O Banco de Inglaterra e o do Canadá já a haviam baixado. E o Banco Central Europeu (BCE) só não o fez porque a inflação na zona euro atingiu o valor mais alto dos últimos seis anos, 3,1 %, quando o objectivo é mantê-la nos 2 %.
Há quem critique o BCE. Mas o ponto, nesta altura, é outro: é a ineficácia das mexidas das taxas de juro dos bancos centrais enquanto instrumento para ultrapassar a crise do crédito. Mesmo sem altas do juro do BCE, no mercado a taxa Euribor subiu ao valor mais alto dos últimos sete anos. E nos Estados Unidos as descidas dos juros da Fed não devolveram a confiança aos mercados.
Os desequilíbrios financeiros internacionais agravam a incerteza. Acumulam-se os excedentes nas balanças comerciais dos países produtores de petróleo e da China, gerando uma massa monetária potencialmente volátil.
Os americanos deixaram de poupar há muito, aumentando o consumo porque se achavam ricos com a valorização das suas acções na Bolsa e a subida do preço da casa comprada a crédito. Essas ilusões acabaram. Primeiro, com o esvaziar da bolha especulativa nas acções tecnológicas, há sete anos. E, agora, com o fim da alta de preços na habitação. O valor da propriedade imobiliária das famílias americanas duplicou entre 2000 e 2005; mas o preço das casas nos EUA desce hoje ao ritmo anual de 5%, com tendência para 10 %.
Nada disto é novidade. Sempre aconteceram altas especulativas nos mercados, seguidas da inevitável queda. Também se sabia que a falta de poupança nos EUA era compensada por dinheiro da China e de outros países. Os seus bancos centrais compraram títulos em dólares para evitarem a subida do câmbio da respectiva moeda face à moeda americana, subida que prejudicaria a competitividade das suas exportações.
Só que tais desequilíbrios não se podem manter indefinidamente. Por isso o dólar caiu. Resta saber se a queda não se irá acelerar, provocando sérias perturbações. Mas também essa hipótese foi inúmeras vezes referida – a surpresa é a derrocada ainda não ter acontecido.
A genuína novidade da crise actual está na falta de confiança predominante nos mercados de crédito, consequência de, no fundo, ninguém saber aquilo que realmente se passa. A incerteza sobre a solvabilidade de muitas operações já realizadas faz subir as taxas de juro.
Os bancos têm relutância em emprestarem a outros bancos, ao contrário do que sempre fizeram, diariamente. Daí as “injecções de liquidez” dos bancos centrais, isto é, oferta de crédito aos bancos comerciais. Como essas “injecções” não resultaram, os bancos centrais dos EUA, Canadá, zona euro, Inglaterra e Suíça resolveram fazê-lo numa acção coordenada. Iniciativa inédita, sinal da gravidade da situação, mas que não teve grande efeito.
Porquê a relutância no crédito interbancário? Por não se saber se ele será pago. Sucedem-se “buracos” que ninguém sonhava existirem, por isso todo o cuidado é pouco.
Multiplicaram-se nos últimos anos inovações financeiras, como a titularização das dívidas. Quem empresta converte a dívida num título, que depois vende a outros e assim vai passando de mão em mão. A tradicional ligação entre credor e devedor desvaneceu-se.
No mesmo sentido – teoricamente, para diluir riscos, de facto disfarçando os riscos – surgiram produtos financeiros altamente sofisticados. A coisa deu a ganhar a muita gente. Mas gerou um enorme nevoeiro nos mercados, retirando-lhes transparência. Podem surgir problemas nos sítios mais inesperados.
Daí o pânico – a palavra não é exagerada – em muitos operadores financeiros. Como não há confiança, os juros sobem no mercado e o crédito seca. As bolsas assustam-se, com razão. Há muito de positivo nas recentes inovações financeiras. Mas vai demorar anos até se encontrar para elas uma adequada regulação, fazendo voltar a confiança.
Quando, em Agosto, começou nos EUA o colapso dos empréstimos hipotecários de risco (“subprime”) escrevi aqui ter terminado a era do crédito fácil e barato. E que a contracção mundial do crédito iria afectar, em Portugal, famílias, empresas e Estado, todos altamente endividados. De facto, assim é – mas num grau bem mais preocupante do que eu nessa altura supunha. O BCE acaba de concluir ser Portugal o país da zona euro mais vulnerável à crise do crédito.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista Obs: Já agora envio daqui um abraço amigo ao Francisco - com os votos da época (e que já enjoa repetir), que além de ser meu amigo também é um grande jornalista que vale sempre a pena ler e reler pela reflexividade que empresta aos seus escritos.
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