O referendo: um fenómeno metanacional no teatro político luso
Todos nós já percebemos que se não fosse a Europa, e o dinheirinho que cá aflui diáriamente, ainda andávamos em caminhos de cabras por esse Portugal profundo, demoraríamos 7h. para percorrer Lisboa-Porto, a rede de comunicações e de telecomunicações era à albanesa (cheia de barulhinhos, como diria o Sr. PGR, Pinto Monteiro...), inúmeras infra-estruturas sociais assemelhar-se-íam aos edifícios do séc. XIX da velha Europa, o nosso poder de compra era miserável (pior do que o existente), a mentalidade seria, forçosamente, mais mesquinha e todo o equipamento social, económico e político faria hoje a vergonha da Europa, apesar de hoje ainda conseguirmos disfarçar menos mal essa realidade em matéria de indicadores de desenvolvimento social e humano que nos separa do pelotão da frente da desejada convergência europeia.
Paralelamente a este cosmovisão, a semana passada o governo português liderado por José Sócrates arrecadou um retumbante suscesso ao negociar o Tratado de Lisboa, e apesar de não se verem benefícios liquídos aquilo que o Tratado desbloqueou, só por si, pode abrir portas a uma alavancagem política e económica do Velho Continente - e fazer da Estratégia de Lisboa - aquilo que o Guterres havia desejado: um pólo científico, tecnológico e económico mais desenvolvido do mundo. É uma utopia, certamente, mas como alguém diria as utopias d'hoje serão as realidades de amanhã. E nem sempre o diabo está atrás da porta, como diria a minha querida avózinha...
Mas no meio desta história aparece um nó górdio: referendar a Europa que integramos há 21 anos, sobretudo quando esse processo pode atravancar o desenvolvimento sociopolítico que agora se pretende para a UE a 27. É óbvio que jamais se poderá preterir a democracia europeia em nome dos interesses decisórios das elites que decidem - um pouco à latere das respectivas sociedades e povos. Mas neste caso tudo ficou assente, as leis do poder definidas, a correlação de forças intracomunitária fixada, e tudo o mais acolhido no intragável Tratado reformador de Lisboa poderá (e deverá) ser discutida, explicitado e explicadinho pelos senhores deputados através do hemiciclo - e com ciclos de conferências extensíveis à sociedade, de que a Fundação Caloust Gulbenkien abriria as suas portas, certamente. Em vez de meterem alguns quadros que por lá sujam as paredes e fazem desmaiar as pessoas...
E quem são os maus rapazes do costume? Os partidos das margens do sistema político: BE e pcp, além dos opinion makers e avençados mediáticos que devem o seu poder funcional às suas prestações televisivas onde alimentam artifialmente polémicas sem sentido e bloqueadoras quer do interesse nacional português quer do próprio interesse comunitário agora a 27.
Depois, a haver referendo, seria para referendar o quÊ? Ninguém sabe. Já aqui perguntámos ao génio Marcelo como é que ele compactaria essa questão vertida na pergunta ao referendo, mas aposto que ele não fará a menor ideia, embora entenda que como docente de Direito ele terá de fazer o seu papeluxo de cartão para inglês ver, mas na intimidade com os seus amigos dever mandar umas belas gargalhadas relativamente aquilo que ele próprio propõe publicamente. Enfim, a fantochada do costume.
A Europa precisa é de eficientes políticas públicas para promover a riqueza, o investimento de qualidade, planos integrados de emprego, uma melhor rede de protecção social, melhor educação e saúde, etc, etc. Não precisa de referendos. Aliás, esta discussão bloquista sobre a matéria faz-me lembrar aquela história do Woody Allen - quando um dia estava na cama com uma amiga, e quando ela esperava que ele tomasse uma iniciativa a preceito ele lembra-se de se levantar para ir buscar a enciclopédia à prateleira para ver o significado da palavra - "ejaculação precoce".
Ora, é precisamente isto que fazem BE e o PC nas suas tomadas de posição estéreis em matéria de referendo à Europa. Só que no caso do pcp deveria tirar a sua máscara cobarde e afirmar aquilo que sempre foram os seus pontos de vista em matéria europeia, i.é, era contra a nossa adesão, e se pudessem hoje Portugal ainda estaria alinhado no Comecon - entretanto extinto - e aí voltaríamos ao caminho de cabras, e aos barulhinhos nas redes de comunicações e de telecomunicações que mencionámos acima, e não teríamos trilhado o caminho de modernidade social e económica, e até no plano das mentalidades, que fizémos e consolidámos ao longo destas duas últimas décadas de integração europeia.
Mas eu compreendo bem as motivações bloquistas e comunistas para fazer do referendo a questão da ribalta política, e em torno dele mistificar o debate e atacar o governo nas demais políticas sectoriais, já que hoje a linha de fronteira entre o que é doméstico e internacional é praticamente inexistente.
No fundo, quer o BE quer o estalinistas PCP são tão oportunistas que vão ao ponto de se deixar "opar" pelo putativo referendo europeu e, desse modo, cavalgar a onda da sua própria internacionalização e armarem-se nos grandes europeístas do 1º quartel do III milénio. O que teria a sua graça (paradoxal), dado tratar-se dos dois partidos mais anti-europeus existentes no sistema político português.
Se o PCP anda assim tão preocupado com os índices de democracia na Europa - talvez devesse cuidar da sua própria democracia interna, e não andar por aí a ameaçar expulsar deputadas do seu próprio grupo parlamentar; e o BE se deseja ardentemente mais e melhor democracia na Europa porque não defendeu isso antes...
Ou será que o referendo funciona como um novo factor-pedofilia para as oposições abaterem a credibilidade do poder em funções e do governo legítimo de Portugal?
Viva a Europa, mas desta vez sem referendo. Mais a mais - ninguém consegue formular a questão, e mesmo que a formulassem a abstenção seria, once again, tão humilhante quanto vergonhosa.
Fazer o referendo nestas condições, conforme o desejo do BE, do PCp e de alguns doutores avençados com prestações na indústria mediática, seria pior do que jogar notas de 500 euros pela janela do carro a 240 Klm na auto-estrada Lisboa-Porto, a mesma que foi construída com os dinheirinhos da CEE. Pois...
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