PONTAPÉ DE SAÍDA - por António Vitorino -
António Vitorino
jurista
No quadro da presidência portuguesa da União Europeia teve lugar em Lisboa, na semana passada, uma Conferência de Alto Nível sobre imigração legal. Leram bem, escrevi legal! Com efeito, na maioria das ocasiões os dirigentes europeus falam mais da imigração clandestina, ilegal ou irregular do que da imigração autorizada, legal. A circunstância de na presidência portuguesa o tema ser a imigração legal já é, só por si, um facto digno de nota.
Acresce que há poucos anos atrás uma tal conferência seria impensável senão mesmo impossível! Mas o mais curioso é que o ponto de partida da totalidade das intervenções proferidas em Lisboa foi uma abordagem abrangente das políticas migratórias seguindo o decálogo que os chefes de Estado e de governo haviam adoptado no Conselho Europeu de Tampere de Outubro de 1999!
Como explicar então que em pleno ano de 2007 estejamos a revisitar aquilo que já havia sido acordado unanimemente há oito anos atrás? A razão é simples: porque se perdeu tempo.
Por um lado porque não se poderá adoptar uma política de imigração coerente à escala europeia, que simultaneamente combate a imigração clandestina e o tráfico de seres humanos e abra os canais adequados de admissão de imigrantes legais, sem haver confiança mútua entre os Estados quanto às formas e modalidades de aplicação dessa política. E, por outro, porque os atentados terroristas de Setembro de 2001 nos Estados Unidos da América geraram uma natural reacção de reforço dos mecanismos de segurança e de luta antiterrorista que, contudo, colateralmente criaram obstáculos e dificuldades à prossecução de uma política de imigração activa e sustentada. Durante algum tempo prevaleceu uma lógica defensiva ditada por legítimas preocupações de segurança, mas que acabaria por manietar a acção dos Estados tendo em vista alcançar, no plano da imigração, os objectivos de Tampere.
A oportunidade criada pela presidência portuguesa significa pois, desde logo, que as sociedades europeias (e os Estados) dão hoje sinais de estarem de novo preparados para um debate inadiável sobre a política de imigração que lhes interessa e de que necessitam. Uma vez acomodadas as preocupações de segurança, a primeira prioridade é prosseguir uma política migratória que não esteja hipotecada a derivas securitárias que, aliás, se fundam em conexões não lineares nem efectivamente demonstradas entre imigração e terrorismo.
Mas significará também que os Estados, ao aceitarem debater os canais de admissão legal de imigrantes nas sociedades europeias, terão atingido aquele patamar de confiança mútua que torne viável a gestão de fluxos migratórios?
A proposta apresentada pelo comissário Frattini, responsável pela área de Liberdade, Segurança e Justiça na Comissão Europeia, quanto às regras comuns de admissão de imigrantes altamente qualificados, será um bom teste à vontade dos Estados.
Escolher o caso dos imigrantes altamente qualificados corresponde a uma necessidade do mercado de trabalho europeu mas também a uma prioridade que se presume mais facilmente aceite pelas sociedades de acolhimento.
Trata-se, pois, tão-somente de um começo, não sendo correcto resumir toda a complexa dimensão da política de admissão de imigrantes ao caso dos altamente qualificados. Mas para começo de conversa a escolha de um nicho relevante onde há vários anos de desenrola (por vezes de forma surda mas muito feroz) uma verdadeira competição à escala global para atrair esses imigrantes constitui uma escolha acertada.
Mas sabendo nós que a admissão dos imigrantes constitui uma prerrogativa exclusiva de cada Estado (e assim deverá ser), o teste da confiança mútua joga-se na regra deste blue card europeu que prevê que em determinadas circunstâncias e após um certo decurso de tempo um imigrante altamente qualificado admitido num Estado membro da União possa circular livremente e fixar-se e trabalhar num outro Estado membro.
Só se tal regra for adoptada é que descobriremos se a Conferência de Lisboa foi, de facto, o pontapé de saída de uma nova política de imigração legal na União Europeia.
Obs: AV pensa uma nova forma de "fazer" Imigração neste 1º quartel do séc. XXI, o que não é fácil dado o terrorismo em rede e o ambiente de crise económica mundial. Apesar das dificuldades, dramas e inúmeras mortes, pois ainda a semana passada se comemorou o sexto ano após o 11 de Setembro, não deixa de ser uma iniciativa política particularmente feliz sob a presidência portuguesa da UE, e, quiça, pioneira nesta nova forma de conceber a Imigração legal - que tenderá a por out of law aquela que não o é. Como se a boa moeda expulsasse a má moeda do mercado, como diria o outro...
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