sábado

DISTRAÇÕES FATAIS - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso, a foto já integra o Rizoma
DISTRACÇÕES FATAIS [link]
António Vitorino
jurista
Na União Europeia com 27 Estados membros, os debates sobre recursos financeiros tendem a ser cada vez mais difíceis e complexos. Foi essa dificuldade acrescida que se experimentou durante o ano de 2006, quando foram aprovadas as perspectivas financeiras para o período 2007-2013, ou seja, o quadro financeiro multianual de referência para os próximos sete anos.
O acordo foi então alcançado com base no compromisso de que em 2008/2009 os Estados membros procederiam a uma avaliação da estrutura e das prioridades orçamentais da União, com base numa proposta da Comissão Europeia.
Com a aproximação da data aprazada começam a surgir os primeiros contributos para esse debate.
Com efeito, esta semana, a Comissão aprovou um documento de consulta que inclui, além dos dados de base da realidade orçamental da União, um conjunto de questões cuja resposta estará na origem das propostas que ulteriormente vier a apresentar.
Ora a experiência que temos de vinte anos de integração europeia ensina-nos que nos processos cruciais de decisão se tem de intervir desde o primeiro momento. Sucedendo a coincidência de o lançamento desta consulta ocorrer precisamente durante a presidência portuguesa da União, seria de todo incompreensível que as várias entidades - públicas e também privadas - que têm interesses directa ou indirectamente relacionados com as perspectivas financeiras da União não interviessem activamente neste debate desde o momento do seu lançamento.
Porque há distracções que a prazo se podem verificar como fatais.
Numa primeira abordagem, o questionário que a Comissão divulgou sob a forma de comunicação ("Reformar o Orçamento, mudar a Europa: documento de consulta pública tendo em vista a reforma do Orçamento de 2008/2009") enuncia um conjunto de interrogações de ordem geral que visam acima de tudo "medir a temperatura" dos respondentes quanto ao grau de urgência e à margem da manobra da reforma orçamental prevista.
Uma parte substancial das questões prende-se, naturalmente, com as prioridades da despesa comunitária. Lá encontramos, claro, as questões destinadas a sublinhar o peso desproporcionado da despesa agrícola, as que interrogam o efectivo valor acrescentado da despesa de coesão, as que assinalam o (tímido) perfil de evolução da despesa nas novas áreas, desde a justiça e os assuntos internos à competitividade e ao crescimento.
Ora eleger prioridades na despesa significa tomar opções políticas de fundo quanto ao futuro das políticas europeias no seu conjunto. É que os tratados lançam as bases da acção das instituições europeias, mas os instrumentos financeiros fazem a triagem das acções a empreender em função de objectivos a alcançar.
Se este debate se centrar apenas na vertente da despesa, ele acabará por ser uma disputa sem quartel entre recebedores, para grande gáudio dos (cada vez menos) contribuintes.
Por isso, nesta consulta lançada pela Comissão, importa considerar em paralelo a parte dos recursos próprios da União, isto é, das fontes de financiamento do orçamento comunitário. É que sem propostas credíveis nesta vertente a discussão da despesa pode acabar por se tornar um exercício de puro imobilismo com os custos políticos inerentes.
Como o próprio documento sublinha, é na componente dos recursos próprios que o perfil financeiro da União mais se alterou nos últimos anos. Enquanto em 1988 o recurso baseado nas contribuições dos Estados membros calculadas em função do seu rendimento nacional bruto representava 11% do total, hoje esta componente representa 74% do financiamento da União! As taxas aduaneiras e agrícolas passaram de 28% em 1988 para os actuais 13% e a percentagem do IVA desde 1988 para cá passou dos 57% para os actuais 12%... O próprio conceito de "recursos próprios" pode ser questionado à luz desta evolução silenciosa mas radical...
O pontapé de saída do debate está, assim, dado pela iniciativa da Comissão. A partir de agora nenhuma distracção nos será consentida. Muito menos perdoada!
Obs: Pergunte-se ao Zé barroso de Bruxelas se a sua proposta para debater o futuro das perspectivas da UE apenas implica a estrutura da Despesa ou equaciona também a estrutura das vantagens e das competitividades!? Com o barroso no cokpit do avião desgovernado em que se converteu a Europa é mais do que certo que o debate entre no campo da merceeria política e se sobreponha aos desígnios de um passado recente, duma Europa feita a passo e passo por Robert Schuman e Jean Monet, e outros...
Mas até aqui a Europa do barroso é terrívelmente diversa: ela só existe se acompanhar a passada da ambição do seu actual fautor. Esta é uma Europa sem rasgo, sem liderança, apenas com muita ambição. Sendo que o enunciado do questionário da Comissão serve bem para mostrar uma visão redutora da UE. Será caso para dizer:
Com o zé barroso na Comissão (que já tem o seu tábu) não há reforma que não se estatele no chão.
Zé Barroso na Comissão = custos certos, malefícios previstos.