sábado

Tiques - por António Vitorino -

A foto é nossa, o tique do fotografo (que é amador), o "brilho" é do António Vitorino
TIQUES António Vitorino - Jurista
Na narrativa da democracia a alternância no exercício do poder ocupa um lugar central. A luta pelo poder está, assim, no âmago da actividade política e a perda do poder provoca sempre sentimentos de privação e de contrição nos derrotados, para quem se abre assim um período de nojo que pode ser mais ou menos duradouro.
Isto é assim tanto à esquerda como à direita.
Na área socialista e social-democrata, após a perda do poder, a tradição é de autoflagelação. A explicação que normalmente é dada é a de que a perda do poder se ficou a dever por não se ter governado em conformidade com os princípios históricos e tradicionais da respectiva família política.
Por via de regra este exorcismo leva os partidos socialistas e sociais-democratas a uma deriva esquerdizante, retomando a ortodoxia da retórica política mas... afastando-se progressivamente da área da governação! Até que um dia, por acumulação de derrotas ou cansaço, uma nova liderança reconduz esses partidos para a área da governabilidade.
Recorde-se a liderança de Michael Foot no Partido Trabalhista britânico perante as vitórias da sr.ª Thatcher, a subsequente via sacra de Neil Kinnock e do malogrado John Smith, até à chegada de Tony Blair e do "novo Labour".
Já à direita a matriz segue um percurso semelhante embora com um perfil diverso. A cultura dominante nesta área política parte do princípio que o seu "lugar natural" é no exercício do poder. Estar fora do poder ou é um acidente de percurso (normalmente imputável a lideranças ineptas) ou é um caso de usurpação, fruto de uma qualquer cabala urdida por poderes ocultos. As duas explicações marcaram o período de nojo da direita portuguesa após a dissolução decidida pelo então Presidente Jorge Sampaio em princípios de 2005. Mas foram essas também as explicações dominantes no Partido Conservador britânico após a primeira vitória de Blair, em 1997, denunciando a cumplicidade do "novo Labour" com os tablóides de Murdoch e que já consumiram três sucessivos líderes tories. À espera que Cameroun se torne no "Blair conservador"?
Enquanto à esquerda os períodos de nojo oscilam entre a esquerdização e o recentramento, à direita a tensão é entre a recredibilização e o populismo.
Com efeito, quer num quer noutro campo, a via de regresso ao poder é dominada por uma preocupação central: como voltar a ganhar a confiança daquela massa de eleitores que, oscilando nas suas escolhas eleitorais, podem ser determinantes na escolha do vencedor?
Esta é, pois, a questão central que dilacera os militantes do PSD nos próximos meses. As entrevistas dadas ao Diário de Notícias pelos dois principais candidatos, no dia 4 de Agosto, são, a este propósito, muito interessantes.
Nelas não surpreende o traço comum, a preocupação de federar os vários descontentamentos que a acção do actual Governo provoca.
Mesmo quando essa preocupação subestima as dificuldades do País e omite as escolhas alternativas que governar sempre impõe, tal corresponde à margem de manobra de um partido de oposição a dois anos de distância do próximo acto eleitoral.
O que singulariza essas entrevistas entre si é a alternativa que Luís Filipe Menezes protagoniza naquilo que o próprio designa como "estratégia fracturante" e que sintetiza no binómio "liberalização económica/acrescida protecção social". À primeira vista trata-se de um posicionamento que encerra os ingredientes necessários a uma boa estratégia populista que promete o regresso ao poder do PSD já em 2009. E como nestes casos o diabo está nos detalhes, o seu autor decerto nos poupará os detalhes até 2009...
Falta agora perceber até que ponto o actual líder do PSD resistirá à pressão populista e poderá personificar uma estratégia de recredibilização para o exercício do poder.
Mesmo que isso obrigue a reconhecer que em vários domínios políticos a sua estratégia não estará longe do que o actual Governo tem vindo a fazer...
Só então saberemos se o próximo Congresso do PSD marca o fim do período de nojo ou se é apenas mais um tique de quem perdeu o poder sem cuidar de perceber a razão profunda do que lhe sucedeu há dois anos.
Obs: Mais uma peça de antologia política de António Vitorino. Depois do paralelismo histórico entre alguns exemplos do RU e Portugal, revelando uma memória de elefante, António Vitorino acha que o PSD ainda não percebeu o que lhe sucedeu em 2005. E, de facto, não entendeu.
E enquanto não "matar políticamente" a dupla-imagem negativa que Durão & Santana deixaram em Portugal na área do poder, este PsD está perdido quer com esse líder regional de Gaia, quer com a continuidade previsível de MMendes.
Será caso para dizer que Durão ganhou a Comissão, mas Portugal desligou-se deste PsD por muitos e bons anos. Tudo dependerá (mais) dos erros políticos que Sócrates cometer do que própriamente das virtualidades da oposição.
Como dizem os romanos: Il mundo va de si...