quarta-feira

Sinais dos tempos - por Santana Castilho -

Sinais dos tempos [in Público, 28 Agosto 2007]
Santana Castilho*
1. O primeiro-ministro, naquele seu jeito pesporrento de quem cuida dos súbditos graças a iluminação divina, anunciou mais um favor: o pai Estado garantirá empréstimos bancários a todos os que queiram cursar o ensino superior. Sem garantias patrimoniais. Sem fiadores particulares. A 6 por cento de juros, em média, considerando valores actuais, e, ainda por cima, com descontos para os melhores alunos.
A medida, há muito referida mas nunca concretizada, havida globalmente como positiva, merece reflexão quanto a efeitos práticos facilmente antecipáveis. Com o endividamento desproporcionado por referência aos proventos da sociedade portuguesa, com o desemprego que atinge os jovens e continua a crescer particularmente no grupo dos licenciados, como poderão ser pagos os empréstimos em análise? O sistema prevê um ano de carência, após a conclusão dos estudos. Feitas contas genéricas para o montante máximo possível, chegaremos a valores de reembolso próximos dos 500 euros mensais. Será isto exequível com as negras perspectivas do desemprego jovem? Este modelo, decalcado da sociedade americana, será adequado para a nossa? Mariano Gago, que referiu cerca de duzentos milhões de euros como montante médio garantido pelo Estado quando o modelo entrar em “velocidade de cruzeiro”, já não estará em funções na primeira hora da verdade. Mas os sempre espoliados contribuintes não terão como escapar. Se os doutores não pagarem, eles pagarão. Porque a banca, essa, não perdoará receber.
Uma segunda vertente que me causa perplexidade radica na minha militante descrença sobre o que os políticos dizem. Sócrates e Gago garantiram que não baixarão os apoios sociais aos mais carenciados e que este modelo de empréstimos se somará às bolsas de estudo existentes. Mas por que hei-de eu acreditar em quem já fez hoje o contrário do que prometeu ontem? Em quem não cumpre os compromissos públicos que assume? Em quem só tem promovido politicas de corte de benefícios sociais, mesmo nas áreas mais vitais da condição humana? Esta medida é para mim a anestesia antecipada e efeito longo da lógica de Bolonha: desresponsabilizar o Estado do financiamento do ensino superior público que, paulatinamente, vai passando do serviço ao conhecimento para o serviço à omnipresente economia de mercado. Sinais dos tempos, que o futuro confirmará.
2. O novo Regime Jurídico do Ensino Superior foi promulgado, sem surpresa, pelo Presidente da República, apesar da rejeição de todos os partidos da oposição e das criticas da comunidade universitária. A pressa e a obstinação dos que têm da democracia apenas uma vaga visão formal impediu que um diploma tão importante como este reunisse o mesmo consenso que se verificou a quando da aprovação do que o antecedeu, há vinte anos. Como vão os académicos aplicar uma reforma que criticam e na qual não se revêem, que institui um modelo rígido, que domestica pelo mercado quem deveria ser dele sempre independente? Oportunidade perdida. Sinais dos tempos, que o futuro condenará.
3. Mariano Gago apresentou ao país, como mudança muito significativa para a qualidade do ensino, a circunstância de nenhum curso superior poder funcionar sem ser avaliado e acreditado. Esta distracção do cientista de mérito, agora ministro, como se os cursos que têm funcionado pelo país inteiro fossem clandestinos e não estivessem “acreditados” nem nunca tivessem sido avaliados, justifica-se, talvez, pelo provincianismo que embrulha em modernismo e eficácia mágica a nova Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Gago está excitado por ter criado uma “fundação de direito privado” e um “sistema reconhecido em termos europeus”. Eu fico preocupado por ver o Estado alienar uma após outras as suas responsabilidades primeiras e os seus agentes confundirem velocidade com toucinho. O debate sério sobre os critérios em que deve assentar um modelo de avaliação do ensino está por fazer e seguramente que não se reduz à nacionalidade dos avaliadores, muito menos ao selo de garantia da Europa. Sinais dos tempos, que o futuro esclarecerá.
* Professor do ensino superior
Obs: Santana Castilho faz contas à vida..., dos estudantes e não chega a conclusões brilhantes (para os estudantes, claro). Parece que mesmo após o ano de carência, e ante a dificuldade de os licenciados arranjarem um emprego estável e razoavelmente remunerado para pagarem a dívida à banca, o Estado - querendo ajudar (à americana, onde a moblidade social e o crescimento são maiores) acaba por complicar a liquidação à banca dos respectivos empréstimos. We shall see...
E se forem empréstimos junto do bcp - a ajuizar pelo andamento daquele regabofe - os juros ainda serão capazes de disparar..., a fim de pagar os chamados "custos de contexto" (uma expressão muito querida a Miguel de Cadilhe quando dirigiou a API, hoje liderada por Basílio Horta que não se percebe o que faz e por onde anda) da actual barraca que se vive na instituição.
Seja como for, nunca sei se fico mais pessimista antes ou depois de ler os realistas artigos de Santana Castilho, mas se a realidade é já assim tão má custa-me a crer que seja Castilho que inventa tudo isto só para ela ficar ainda pior. Reflicta-se, portanto.
Aquela ideia do banquete de Agostinho da Silva segundo a qual a Educação deveria ser gratuita, em que as pessoas se poderiam servir a toda a hora, como num posto de abastecimento de combustíveis agrada-me bastante. But...