A Não Decisão - por António Vitorino -
A NÃO DECISÃO (link)
António Vitorino
Jurista
Portugal é o país das certezas absolutas e das desconfianças permanentes. Nada de mal viria ao mundo se desta tensão resultassem directrizes para a acção. Infelizmente, muitas vezes, o único resultado palpável é o adiamento das decisões.
A reacção à decisão de equacionar o Campo de Tiro de Alcochete, como alternativa possível à Ota, para a localização do futuro aeroporto internacional de Lisboa não escapou a esta regra: perfilaram-se imediatamente as velhas e as novas certezas e pretendeu-se marcar o "campo oposto" com o ferrete da suspeição.
Alguns primaram mesmo na teoria da conspiração! Porquê só agora Alcochete? Pois claro, para não embaraçar o candidato do PS à Câmara de Lisboa... porquê pela mão da CIP? Interesses ocultos pagaram o estudo (havendo mesmo quem insinue que ele foi feito a pedido discreto do próprio Governo...). Porquê a súbita disponibilidade da Força Aérea, só agora manifestada? Já se vê, para evitar males maiores da Ota na Base de Monte Real. E por aí fora!
Surpreende-me às vezes a velocidade com que somos capazes de inquinar um processo de debate e de tomada de decisão, agora que o recuo do Governo quanto ao lançamento do concurso até ao final do ano permitiria lançar as bases de uma decisão que o Presidente da República quis que fosse tão consensual quanto possível.
É verdade que, entre nós, não existem grandes hábitos nem rodadas boas práticas para este tipo de decisões de grande projecção para o nosso futuro colectivo.
Não surpreende sequer que os técnicos estejam divididos sobre a matéria. Na realidade, na vida moderna, muitas das decisões colectivas fundam-se em apreciações científicas cujo bem fundado se encontra em permanente disputa. A existência de uma análise "tecnicamente pura", que se impusesse como evidência cartesiana acima de qualquer crítica, é uma ficção sem arrimo na realidade.
As próprias verdades científicas vão evoluindo e sofrem mutações de que resultam consequências diferenciadas para a sociedade. Quando a velocidade dessas mudanças se apresenta como comportando riscos acrescidos, introduz-se um princípio de precaução, para evitar que os efeitos produzidos (por um novo produto ou por um novo processo produtivo ou por uma nova infra-estrutura) possam adquirir dimensão e foros de irreversibilidade que ponham em causa valores de segurança e qualidade sanitária ou ambiental.
Ao fim dos próximos seis meses, a instituição encarregue desta análise comparativa entre Alcochete e a Ota - que é o Laboratório Nacional de Engenharia Civil - não chegará decerto a uma verdade científica ou técnica inatacável. E sendo uma instituição cuja credibilidade se me afigura comprovada, o seu campo de intervenção centrar-se-á nas implicações que mais directamente têm a ver com a implantação da infra-estrutura aeroportuária, não abrangendo várias outras vertentes (modelo económico-empresarial do novo aeroporto, relação custo-benefício, prazo de duração, impacto ambiental) que terão de ser chamadas também à decisão final.
Por isso, fazendo apelo ao princípio da precaução, desta feita aplicado ao processo de decisão política, seria razoável que antes de iniciarmos esta nova fase que desejavelmente nos deverá conduzir à decisão final sobre o novo aeroporto começássemos por construir um consenso sobre os critérios que prioritariamente deverão ser tidos em linha de conta para chegar a bom (aero)porto!
Um tal consenso sobre os critérios de avaliação reforçaria a objectividade da decisão final e ampliaria a possibilidade de em torno dela se concitar um consenso alargado.
É que se não se clarificarem as regras do jogo antes de o jogo começar, no seu final as certezas absolutas e as desconfianças permanentes acabarão por nos empurrar de novo para a casa de partida. Nesse caso só nos restaria fazer um estudo sobre os "custos da não decisão"!
O sublinhado é nosso. E a foto também.
Obs: António Vitorino vem dizer que devemos começar a casa pelos alicerces e não pelo telhado. Mas como fazer convergir governo e oposição nesta problemática se a oposição já percebeu que minando o governo por aí pensa que o poderá mais fácil e rápidamente substituir no cadeirão de S. Bento. Portanto, em rigor, nem MMendes quer o consenso, e se amanhã o estudo do LNEC apontar Alcochete com a opção mais credível a oposição - só para chatear - é bem capaz de evocar a Ota ou o Poceirão. O impasse é grande, o tempo urge e a vontade de estabelecer consensos genuínos está na razão directa da vontade de entreajuda de Sócrates e Mendes. Resultado: teremos mais um estudo. Depois alguém decidirá, os que não se oposerem já estão esgotados tamanho será o cansaço. António Vitorino tem razão, os custos da Não decisão - são (já) enormes, e ninguém gosta de voar muito tempo exclusivamente sob os comandos do piloto automático. E se MMendes for sensato verá que a "bola" até lhe pode cair encima, pois se a decisão tomada for a menos boa será ele - uma vez no poder (o que acho muito difícil, mas enfim, sou cristão..) que arcará com os seus efeitos políticos, portanto Mendes terá mesmo de colaborar sériamente na feitura desse desejado consenso alargado, posto que a fixação dos critérios são sempre prévios a qualquer desenvolvimento. A verdade, como diria Vergílio Ferreira, é um erro a aguardar vez...
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