Eliminar a incerteza
Quem nasceu a meio da década de 60 do séc. XX (bolas!!) foi educado num tempo de relativa previsibilidade: na economia, na sociedade, os pais também não se divorciavam como quem despe uma camisa, as alterações climáticas não eram gritantes, os crashs das bolsas de valores além de pontuais eram discretos. Ou seja, a incerteza e a inquiteção era relativa e o efeito de mudança social gradual.
Com a passagem do tempo, tenho constatado, do alto dos meus modestos 40 anos, que a inquietação e a incerteza tem aumentado à medida que a liberdade tem reduzido o nosso espaço de manobra. Vejamos: na política, sobretudo na fase de aprofundamento da União Europeia - é o momento em que mais precisamos de líderes fortes, mas apanhamos uns "durões Barrosos" pelo caminho; desejaríamos uma economia pujante mas o crescimento é tão ténue que nem se faz sentir; as relações interpessoais estão mais periclitantes que nunca, deitamo-nos com A mas podemos acordar com B ou C no day after. No quadro das relações laborais à incerteza é a regra e soma-se a precaridade. Hoje em dia todos aqueles que experimentam essa incerteza são os mesmos que podem aderir a um partido político, a uma seita ou ingressar na maçonaria. Fazem-no não por convicção, mas precisamente porque pretendem afastar aquele nível de incerteza e de complexidade da vida dos nossos dias. I.é, desejam a certeza e a segurança.
Uns conseguem furar as malhas do muro d'aço, outros ficam de fora com as desvantagens que isso comporta. É a certeza e a segurança de uns contra a incerteza e a insegurança d'outros. Uma minoria contra uma maioria. Mas mesmo aqueles têm incerteza, conseguem é lidar melhor com ela; estes, os que ficaram de fora, têm assim a dificuldade acrescida de ter de lidar com as incertezas mais os riscos e as ameaças agregadas a todos esses processos sociais que são conexos.
Portanto, são uma minoria aqueles que entram na fábrica da certeza e adiam ou telecontrolam melhor os problemas, ao invés dos outros que são triturados pela fábrica da incerteza e são consumidos pela dinâmica dos próprios problemas. Uns têm líderes informais que fixam e segue na sociedade, os outros assistem alienados aos programas de TV, onde se convencem de que a coisa, afinal, até poderia ser bem pior. São os mesmos que vêm TV para ter uma ideia deles próprios, para constatarem que mental e financeiramente ainda há pessoas pior do que eles.
Esta é hoje uma batalha importante do nosso tempo: como reduzir a incerteza, já que nascer é, de per se, um risco que comporta sempre e em todo o lado a morte. Mas como nem todos podem aceder aos consultores de certeza para assim diminuir os riscos a maior parte das pessoas vê TV para lidar com a incerteza, outros endividam-se e outros ainda tomam prozac ou ritalin - os novos messias da alienação e dos efeitos nocivos da incerteza na vida das pessoas.
Para agravar tudo isto vem o Tempo, i.é, o calendário cronológico das estações coincidia com a temperatura da atmosfera, mas com as alterações climáticas passou a chover no Verão e a fazer sol no Inverno, de modo que andamos todos confuso e baralhados nesta roleta em que a nossa vidinha já se transformou.
Apesar de a fábrica da incerteza sempre ter existido e produzir riscos e ameaças que nunca conseguimos prever ou antecipar hoje, mais do que nunca, o guião está completamente marado, as dicas são erróneas, as acções fugazes e sem sentido, os conselhos dos mais velhos ainda são piores e de tudo isto resulta o tal mau tempo que anuncia chuva no Verão e Sol no Inverno. Pelo meio, para agravar a coisa, já há muita poluição e ruído, o que nos impede de ver as paisagens e ouvir os sons do nosso tempo. O que significa que além de alienados, hoje o homem do meu tempo também vive cego e surdo.
Qualquer dia também deixamos de poder cheirar...
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