sábado

Sair do buraco - por António Vitorino -

SAIR DO BURACO [link] António Vitorino
jurista
A decisão de pôr fim à agonia em que se arrastava a Câmara Municipal de Lisboa foi um acto de bom senso.
Nesta decisão convergem três elementos que interagem, mas que convém considerar separadamente.
O líder do PSD abriu o caminho para eleições intercalares, num momento em que o cerco das autoridades de investigação criminal se apertava a ponto de atingir o próprio presidente da Câmara. Mas mais do que a acção judicial ou a discutível doutrina que o dr. Marques Mendes definiu nas últimas eleições autárquicas sobre as implicações de uma investigação criminal nos mandatos electivos, o que pressionou esta decisão foi a paralisia política da própria Câmara.
Com efeito, a conjugação dos factores assinalados só produziu este resultado porque há muito que era evidente que esta era uma Câmara politicamente vulnerável: sem projectos, sem liderança, vivendo uma grave crise financeira e gerindo com crescente dificuldade uma maioria relativa do PSD depois da rotura da coligação com o CDS-PP.
Por outro lado, a ideia de que a constituição de arguido levava à suspensão do mandato de vereador, aplicada a dois membros do executivo, impunha-se também no caso de o próprio presidente da Câmara vir a ser constituído arguido. A identidade de razões era muito forte e qualquer excepção teria um custo político elevadíssimo. Mas uma câmara cujo número um tivesse que suspender o mandato por tais razões seria sempre uma câmara condenada politicamente.
Algumas intervenções pouco cuidadas (entre as quais algumas, feitas no passado, pelo próprio dr. Marques Mendes perante o aplauso geral) criaram a ideia de que ser arguido equivale a ser acusado. Ora tal não é verdade no plano penal e será perigoso que se generalize uma tal ideia errada no plano político. Ser constituído arguido representa, claro está, o endosso pelo Ministério Público de uma suspeição, mas deste modo também se permite conferir ao visado um detalhado conhecimento dos factos que lhe são imputados e são postos ao seu dispor instrumentos de defesa que até poderão permitir que melhor demonstre a sua inocência e assim garanta a sua própria ilibação. A delicadeza do caso presente é que a fundamentação avançada aponta para uma moldura penal grave e reporta-se a factos praticados no preciso exercício do mandato autárquico em Lisboa.
Reitere-se, pois, a inocência dos visados até haver condenação judicial transitada em julgado e recoloque-se então a questão no estrito plano da responsabilidade política.
E esta é a minha terceira observação: realizando-se eleições intercalares, os lisboetas (no sentido amplo, dos que aqui vivem mas também dos que aqui quotidianamente trabalham) esperam dos candidatos que se apresentarem um debate sobre uma verdadeira "política de salvação municipal" que o estado da nossa capital exige e impõe. Todos temos consciência de que Lisboa está à beira de um precipício. A próxima Câmara, mesmo tendo um mandato limitado no tempo, terá a responsabilidade de inverter o curso dos acontecimentos e recolocar Lisboa no caminho certo.
Para tanto há que exigir condições de efectiva governabilidade. As quais passam, no actual sistema de governo autárquico vigente entre nós, por reconhecer que a estabilidade de uma câmara depende da sua ligação com a Assembleia Municipal, justificando-se, por isso, que se realizem eleições para os dois órgãos. Entregar a câmara a votos, como faz o PSD, mas resguardar do julgamento popular a sua maioria confortável na actual Assembleia é um cálculo partidário mesquinho e é só permitir uma "meia solução". Não abona a favor da efectivação da responsabilidade política por um projecto que elegeu uns e outros...
Do mesmo modo, a construção de um projecto para o futuro de Lisboa, nas actuais difíceis condições, exige da parte das oposições à esquerda um sinal claro de responsabilidade e de convergência, para dotar o novo executivo camarário de condições de estabilidade e eficácia. Se prevalecerem, neste plano, mesquinhos cálculos partidários pode ser que desta crise quem saia a ganhar seja o CDS... se impuser condições pesadas para salvar o PSD do buraco em que se meteu na capital do País!
  • PS: Publique-se, até porque António Vitorino apesar de aparecer na foto a rir-se, é compreensivelmente magnânime para com os arguídos e até transitarem em julgado são todos bonzinhos. O problema é que a Justiça em Portugal, por regra, não funciona. O que faz com que o povo não acredite nela, e, como tal, só lhe resta julgar e crucificar no tribunal da opinião pública aqueles que, eventalmente, até estarão inocentes. E Carmona poderá ser um desses casos. Até lá resta-nos uma coisa resultante na inoperância da justiça: ser grotescamente desconfiados.