Coisas sérias: Fernando Pessoa ao Domingo num dia de sol e desassossego
Quem escreve sabe do perigo das repetições, das redundâncias, das supostas ideias portadoras de futuro e de nada. Mas com Fernando Pessoa aprende-se um método, ainda que metafísico, de driblar a realidade e surpreendê-la de costas e de lado, como fazíamos às nossas namoradas. Uma entrevista, uma frase, um pensamento, um Não, um Sim, um Nim - tudo que nos ocorre à cabeça é um processo imprevisível, como engendrar um sistema filosófico que depois aguarda aplicação. Mas o caso mais paradigmático destas aventuras do espírito humano no séc. XX foi, talvez, a produção resultante da mente genial de Fernando Pessoa. Tudo com base na palavra - desassossego - que o agitou desde 1913, e a partir daí a sua alma nunca mais foi a mesma. A nosso também não. E nesse dia Pessoa tem "só" a genealidade de escrever a seguinte pérola que aqui partilhamos hoje, por ser Domingo, no dia em que o Alberto da Madeira se (con)sagra no "bokassa" da ilha (mostrando que a democracia não é rotatividade, mas sim corrupção e compadrio político-empresarial) e também no dia em a França se "sarkosia" ante uma Segoléne que nada mais teve para oferecer senão uma cara laroca acompanhada duma vox irritante de locomotiva do séc. XIX.
Mas vamos a Pessoa pelo poema Dobre, bem mais interessante do que esses resíduos filo-políticos:
Peguei no meu coração
E pu-lo na minha mão.
Olheio-o como quem olha
Grãos de areia ou uma folha.
Olheio-o pávido e absorto
Como quem sabe estar morto;
Com a alma só comovida
Do sonho e pouco da vida.
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