O expresso também faz entrevistas interessantes, a David Lynch
David Lynch: à pesca das ideias
Das ideias à meditação transcendental, uma conversa com o realizador dos mais enigmáticos e fascinantes filmes do mundo. O realizador com a sua nova câmara de vídeo digital: «O DV é o futuro. A película é um dinossauro». O cabelo loiro grisalho, o sorriso aberto, a resposta pronta - mas há um brilho, permanentemente irónico nos olhos que deixa em cada resposta a possibilidade de existir outra. David Lynch nunca parece estar a enganar-nos ou a conduzir-nos, para nos confundir. Ele explica, concretiza - e, todavia, as palavras não decifram nada e ver INLAND EMPIRE é uma experiência-limite que nenhuma proposição dita pelo realizador pode aclarar. Diante de David Lynch estamos como perante os seus filmes: fascinamo-nos no labirinto, o caminho não está sinalizado. A entrevista que se segue foi feita em Veneza, em Setembro de 2006, no dia seguinte ao da estreia mundial do seu último filme. Pode explicar como é que se concebe um filme como «INLAND EMPIRE»? Apanho ideias. É como pescar. O desejo por uma ideia é como um isco no anzol. Deseja-se algo e, se se for paciente, provavelmente apanha-se uma ideia. Quando ela vem, se me apaixono por ela, guardo-a. Pode ser só um fragmento, mas fico com ela - e espero que ela mesma atraia outras ideias.
Qual foi a primeira? O monólogo de Laura Dern no cimo das escadas. Mas é um processo de livre associação de ideias?
Não exactamente. Tudo começa por uma ideia. Um clarão, um pouco de luz, como nos «cartoons». E aí está. Nunca sei a dimensão da ideia até a pôr no papel.
Como nos «cadavres exquis» dos surrealistas?
Mas é sempre assim que se fazem os filmes... Talvez haja quem tenha o filme inteiro numa única ideia, mas a maior parte dos cineastas têm uma ideia e depois outra e outra e a história começa a tomar forma. O processo é sempre esse. Surrealista? Sim, com certeza. Nem sempre as coisas são perceptíveis com o intelecto, há coisas que se sentem, que se intuem. E a intuição é uma coisa boa em termos de conhecimento. Na vida quotidiana usamos a intuição constantemente, mas no cinema não estamos muito habituados a fazê-lo.
Essas ideias que comandam tudo são ideias visuais, ideias de diálogo, fragmentos de histórias, sons...?
Tudo vem com um «bang!». Às vezes há palavras, às vezes até o sotaque lá está, às vezes está o quarto, e as cores do quarto, a atmosfera do quarto, o som, tudo. Nem sempre me dou conta do que está na ideia quando ela surge. Mas quando se escreve, percebe-se tudo o que a ideia continha. [..., in Expresso].
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