Do Poder : velho e novo
Viva-se em democracia, ditadura, república ou monarquia há sempre coisas que nunca mudam. Podem mudar de nome, mas, na essência, nunca mudam. A forma polida como alguns ministros se tratam dentro e fora do Parlamento, a forma agradavelmente subtil como, por exemplo, uma dona Mª Eliza trata o poder e uma certa memória do regime salazarista, os modos como os assessores tratam de defender o seu PM, a forma como o ministro das Finanças defendeu e protegeu públicamente o actual DGCI (Paulo macedo, fazendo supôr que o ministro é que era o ajudante...), o modo obsequioso como Belém e S. Bento se trata, a forma como certo poder oficial anda com uma certa Banca ao colo (esperando por uma nomeação para administrador a ganhar 5 mil cts/mês), os favores que certos jornalistas procuram prestar a certas empresas/organizações para assim capitalizarem créditos para cobrar à posteriori... Tudo isso configura um anseio ardente de todas as pessoas terem poder, porque não o ter é insuportável e gera infelicidade e impotência. Há dias uma amiga na net me dizia que a sua condição de não dispôr de poder a levava a afastar-se cobardemente das grandes discussões, compensando isso com a criação dum mundo alternativo no qual procura dizer o que lhe vai na alma. Logo, ninguém, quer dispôr de menos poder, todos querem mais e mais poder.
Seja para fazer uma reforma na AP, seja para exonerar um assessor que se porta mal no plano ético-político, seja ainda para contratar a secretária que goza das melhores pernas e seios, ainda que confunda um rato com um teclado e o monitor com um marzápio de dois papos...
Sucede que no mundo actual temos sempre de parecer justos e decentes, mas também não podemos deixar de ser astutos e um pouco desonestos. Sobrevivência oblige..
Ora, é desse jogo penoso constante - que não deixa de ser duplice e pantanoso - que temos todos, mais ou menos de viver. É como se tivessemos de conviver com aquela corte aristocrática do séc. XVIII e XIX - em que tudo girava em torno dum líder, duma rainha, dum rei ou dum imperador. Hoje os nomes mudaram, mas a coisa não diverge muito: giramos todos em torno dum empresário, grupo deles, dum PM, duma universidade, dum problema (Ota, por exemplo), duma qualquer coisa que simultaneamente nos absorve e nos aliena.
De modo que os velhos cortesãos são hoje os novos assessores ministeriais que edificam fortalezas para proteger o seu "amo". Por vezes, sucede que entram em competição entre si para verem quem melhor faz esse role-playing de assessor/protector. Tal como antes se verificam tentativas desse grupo de novos cortesãos agradar ao poder que está, nem que para isso tenham de encetar lutas fratricidas para ver quem arrecada a melhor migalha diante do Poder que avalia e premeia.
Apenas hoje essas tentativas de agradar ao poder são feitas com maior subtileza e habilidade, pois se assim não fossem seriam os próprios cortesãos mais hábeis que trucidariam os seus companheiros nessa tarefa - tirando-os do caminho.
Com isto pretendo dizer que independentemente dos tempos, da sociedades, dos regimes e sistemas políticos e das pessoas as "cortes do cinismo, da hipocrisia e da canalhice" estão sempre lá. Os cortesãos estão sempre prontos a bajular. E tudo isto se faz no III milénio naquilo que nos pensávamos ser o auge da nossa civilização e refinamento.. Mas não é. Podemos hoje, mais do que nunca, reprovar as atitudes violentas entre os homens, mas trabalhamos sempre no silêncio para liquidar todos aqueles que se nos colocam no caminho.
A vida pública portuguesa hoje está cada vez mais decadente, e as nossas cortes - no Parlamento, na mediacracia vigente, nos partidos, nos sindicatos, nas igrejas, nos clubes de futebol, na majistratura, na alta administração Pública e até entre familiares (pasme-se!!!) - um pouco por todo o lado na sociedade colhemos manifestações inquietantes de que as cortes estão aí para durar. São permanentes sedes do poder onde impera a polidez e a boa educação. Aliás, também se não fosse assim as pessoas chacinavam-se umas às outras.
O mais triste de tudo isto é saber que aqueles que hoje sorriem e se abraçam, e isso está patente neste último editorial do Jumento a respeito do falhanço do sistema de avaliação de desempenho na AP (aqui postado infra), enfrentar-se-iam e apunhalar-se-iam uns aos outros se esses tais bons modos não se interpusessem, como diria Lord Chesterfield (séc. XVIII). O problema está na nossa própria natureza, na nossa condição humana. E por vezes é essa condição que nos faz envergonhar até perante um animal de quatro patas...
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