quarta-feira

O Jumento explica-nos porque o sistema de avaliação do desempenho na AP irá falhar

Mais um presciente editorial do Jumento que vale a pena ser lido do início ao fim. E por uma razão simples: encontramos aqui não só a verdade no funcionamento da AP (e da sociedade), mas também a verdade da própria condição humana, que é miserável. E se não restaurarmos valores perdidos, mudarmos a nossa mesquinha mentalidade, afinarmos a forma como implementamos o sistema meritocrático na vida das organizações, jamais passaremos da Albânia da Europa neste canto do rectângulo à beira-mar-mal-plantado. E é pena, porque as praias, o sol, as paisagens e a gastronomia até nos fazem supôr que poderíamos ser um País, um povo, uma sociedade, uma economia, um Estado mais justo, saudável, democrático, livre e desenvolvido. Hoje não passamos dum projecto de tudo isso. Vejamos porquê abaixo.

Como se pode acreditar num sistema de avaliação do desempenho quando aos dirigentes não é definida qualquer meta ou quando a têm foram eles próprios que a estabeleceram e se uma boa parte das chefias é escolhida de acordo com critérios de compadrio?
Como acreditar na avaliação do desempenho quando se sabe que nos serviços da Administração há uma imensa rede de cumplicidades que começa no momento das admissões de funcionários, uma boa parte dos quais entra com a cunha metida a um dirigente? Basta ler a lista de nomes dos funcionários de um serviço para dar com a repetição sistemática de apelidos, ou do local de nascimento.
Como acreditar numa avaliação do desempenho dos funcionários se os famosos concursos de colocação de chefes de divisão e directores de serviços não passa de uma farsa paga com o dinheiro dos contribuintes? Alguém acredita num modelo de avaliação desonesto até à categoria de chefe de divisão e honesto daí em diante?
Alguém acredita que o militante do partido com quem o ministro ou o secretário de Estado se reúne para prestar contas da sua actuação vai ter uma avaliação negativa? E a amante do chefe, o filho do director de serviços, enfim, uma infinidade de funcionários que constituem uma casta de eleitos?
Na hora de produzir estatísticas realistas ou de incluir os funcionários nos diversos escalões de avaliação de acordos com os contingentes estabelecidos já se sabe quais vão ser os “piores” funcionários, serão escolhidos entre uma casta de “intocáveis”, que tal como sucede na Índia, são os que nascem sem qualquer privilégio, os que não beneficiam de qualquer protecção. Uns produzirão o que querem porque ninguém ousa não os considerar excelentes funcionários, outros terão que ter mau desempenho para que as estatísticas transformem o director-geral num excelente dirigente.
São os mesmos dirigentes que nunca se preocuparam um minuto com questões como a produtividade ou o absentismo que serão agora os fiéis interpretes do novo modelo de avaliação? Acredita quem quiser. Basta um exercício elementar da teoria dos jogos para se perceber que uns nunca precisarão de se esforçar para que sejam considerados aplicados e os outros nunca serão assim considerados por mais que se esforcem, uns não precisam de trabalhar e aos outros de nada serve trabalharem mais, pois serão esses os que jogarão a roleta russa do desemprego via mobilidade.
É evidente que qualquer governo pode dizer basta, dar o exemplo e implementar um novo modelo de alto a baixo. Só que não será este governo, pelo que assisti em pouco tempo as escolhas obedecem aos mesmos critérios do costume, até algumas reestruturações foram feitas mais com base em critérios de compadrio do que a pensar no funcionamento eficaz dos serviços. A avaliação do desempenho acabará por ser uma farsa semelhante aos concursos para a escolha das chefias, primeiro escolhem-se os “maus” funcionários e depois procede-se à sua avaliação.