sexta-feira

CASO DE ESCOLA - por António Vitorino -

António Vitorino
jurista
A controvérsia sobre o percurso académico do primeiro-ministro veio chamar a atenção, mais uma vez, para a estreita ligação que existe, em política, entre a comunicação da mensagem e a substância da mensagem.
Em democracia, num processo de tipo penal, quem acusa outrem tem o ónus de provar a acusação. Na esfera da controvérsia política, inverte--se o ónus da prova: quem, sendo titular de um cargo político, seja visado por uma acusação, vê- -se obrigado a vir provar a sua inocência, porque, nestes casos, não estará apenas em causa rebater factos ou insinuações, mas também "varrer a testada" quanto à credibilidade e honorabilidade pessoais. Ora, é neste ponto que se passa da análise racional para a criação de uma convicção íntima no público/julgador, que em larga medida depende da própria forma da mensagem e do tempo escolhido para a fazer passar.
Neste contexto, a prestação televisiva do primeiro-ministro da passada quarta-feira encontrou, em minha opinião, o justo ponto de equilíbrio entre a resposta às questões de facto e o afastamento das suspeições, mesmo aceitando a incomodidade de ter que fazer a prova de um "facto negativo", ou seja, de que não tinha beneficiado de nenhuma situação de favor na conclusão da sua licenciatura. Foi convincente quanto ao fundo, sincero no tom e contido no inegável sofrimento pessoal que a situação decerto lhe provocou!
Há vários casos de escola de "gestão de crises comunicacionais" por parte de responsáveis políticos em vários países, com especial relevo para o mundo anglo-saxónico, onde este tipo de situações é mais frequente e mais agressivo. Da análise de alguns desses casos resulta evidente que têm aumentado nos últimos anos os exemplos de "campanhas negativas", isto é, de "crises comunicacionais" centradas em ataques não a actos políticos, mas a traços de carácter e de personalidade dos agentes políticos. O actual Presidente americano conheceu duas situações deste tipo, uma referente aos seus hábitos de bebida e outra referente às condições de prestação do serviço militar. Outros políticos conheceram casos sobre hábitos ou condutas sexuais, probidade financeira na sua estrita esfera privada, relações pessoais ou familiares com meios pouco recomendáveis ou interesses ocultos da sociedade.
A proliferação deste tipo de "campanhas negativas" encontra-se bem analisada nos livros de Howard Kurtz, em especial o seu Spin Cycle. A experiência mostra que estas "campanhas negativas" provocam uma tripla reacção. Desde logo dos que aderem incondicionalmente ao denegrimento dos visados, ou porque não gostam deles por qualquer razão, e consequentemente estão sempre dispostos a "comprar" qualquer história que os ataque, ou porque tendo um caldo de cultura de fundo contra o fenómeno político e os seus protagonistas aderem portanto a uma leitura do tipo "quanto pior, melhor!".
Do lado oposto os apoiantes políticos dos visados, que tendem a interpretar esses ataques como manobras políticas tanto mais credíveis quanto melhor seja possível identificar quem está na base do ataque e quais as suas motivações. Nesta interpretação tanto se incluem as "campanhas negativas" promovidas pelos adversários políticos como as oriundas de rivalidades no próprio campo político dos visados.
Finalmente o terceiro - e maior grupo! - compreende os observadores sem posição de partida que avaliam os factos e os argumentos apenas num quadro muito geral, entre o atónito e o perplexo, pretendendo quando muito perceber o "fio condutor" mas sem se darem ao "incómodo" da análise dos detalhes do caso.
Ora, em relação a estes verificam--se dois fenómenos muito curiosos. O primeiro é o que se pode chamar "efeito do cansaço", como sucedeu em certos períodos nos EUA: a profusão de escândalos alimentados por "campanhas negativas" levou à banalização do fenómeno e consequentemente à sua perda de valor como arma de arremesso político. O segundo, em compensação, é o do redobrado interesse em descodificar "quem está por detrás da história" e com que motivos, ou seja, a quem interessa a "campanha negativa"!
Sem esta segunda componente, a de saber qual a mão que atirou a pedra e porquê, o interesse sobre o caso mantém-se e pode até ampliar-se.
A declaração lamentável do dr. Marques Mendes, na noite de quarta-feira, tem pois o mérito de permitir encontrar a resposta a esta última questão. Abriu assim a porta para se encerrar o assunto de vez!
  • PS: Publique-se pela relevância sociológica, politológica, política e até ética. Sobretudo, vindo d' alguém que há 10 anos também foi objecto duma mini-campanha negativa por parte dum tal "marújo" (curiosamente, do mesmo jornal de Belmiro, o Público, ele há coincidências estranhas..) que depois teve de engolir a decisão que então o titular da Defesa, sem pestanejar, tomou. Confesso até que a minha admiração por AV, curiosamente, remonta aí.
    Enfim, é a vida. Mas também é nesses momentos que o carácter dos homens melhor se conhece. Quanto à conferência de Mmendes, acho que está tudo dito: este Psd tem uma tendência natural para o abismo e para ser o carrasco de si próprio. E o pior é que a alternativa de Slopes também não é melhor. LFMeneses, do Norte, também não passa duma vaga brisa entre Nortistas e Sulistas. Até dá vontade de chorar...