Ganhadores ou perdedores?
Ganhadores ou perdedores?
António Vitorino
Jurista
Tudo leva a crer que o ar de Primavera que se começa a sentir se projecte sobre a reunião do Conselho Europeu deste final de semana. Normalmente, nesta primeira reunião do ano dos chefes de Estado e de Governo da União Europeia, faz-se o balanço da aplicação da denominada "Agenda de Lisboa". Diferentemente de ocasiões anteriores, desta feita há sinais mais animadores quanto aos avanços na concretização desses objectivos e quanto ao estado da economia europeia, que beneficia da evolução positiva da generalidade dos indicadores alemães. Com efeito, em 2006 a economia da União cresceu 2,9%, tudo levando a crer que em 2007 se registará um crescimento em linha com estes valores. Criaram-se no ano passado cerca de três milhões de postos de trabalho em toda a União, reduzindo-se assim ligeiramente a taxa de desemprego (cerca de 7,5%). De igual modo nos indicadores atinentes à qualificação das pessoas e à inovação empresarial há progressos importantes e, sobretudo, a um ritmo superior ao registado no passado, reforçando desta forma a competitividade global das empresas europeias. Claro que os resultados assim descritos se distribuem assimetricamente no espaço europeu. Alguns países registam indicadores mais positivos que outros e o próprio efeito propulsor da economia alemã não se faz sentir da mesma forma e ao mesmo nível em todos os demais países. Estas divergências reportam-se quer às diferentes posições dos Estados no próprio ciclo económico quer ao distinto ritmo de aplicação das correspondentes reformas no plano interno. Este estado de espírito mais positivo cria condições para tomar as decisões que se impõem num domínio essencial para o nosso futuro colectivo. Refiro-me à abordagem das alterações climáticas e à sua específica projecção nas políticas energéticas. Creio que os resultados do Conselho Europeu poderão ser avaliados à luz de duas questões centrais: por um lado, os objectivos que forem fixados em termos de eficiência energética e de evolução tecnológica no domínio das políticas energéticas e, por outro, as metas que vierem a ser fixadas em termos de impactos ambientais para o período pós-Quioto (ou seja, após 2012). No primeiro aspecto estão em cima da mesa duas propostas emblemáticas apresentadas pela Comissão Europeia: um objectivo de ganho de 20% em eficiência energética até 2020 (que permitirá uma poupança de cem mil milhões de euros e uma redução de cerca de 780 milhões de toneladas de CO2 por ano) e a adopção de uma estratégia para o "carvão limpo", assente em 12 centrais de combustíveis fósseis (no horizonte de 2015) e num plano de captura e armazenamento do carbono (em 2020). No segundo aspecto, os chefes de Estado e de Governo terão de decidir sobre uma redução unilateral de 20% das emissões de gases com efeito estufa até 2020 (que poderá ir até 30% no quadro de um acordo multilateral de que sejam partes também os países em vias de crescimento acelerado, como a Índia e a China) e na definição de uma meta de 20% para a percentagem das energias renováveis no "pacote energético" global europeu em 2020. Neste último aspecto é que se sabe subsistirem ainda assinaláveis diferenças entre os Estados membros da União. A meta de redução das emissões é vista por alguns países (e por muitas empresas) como um objectivo irrealista e anticoncorrencial, ainda mais se for unilateral. Já a meta dos 20% para as energias renováveis é contestada em especial se lhe for atribuído um carácter obrigatório, pretendendo os países opositores que seja uma mera sugestão facultativa. Por detrás destas divergências estão duas questões de fundo, tanto conceptuais como atinentes a interesses económicos e financeiros, de Estados e de empresas: a lógica da "repartição interna do fardo" na obtenção das metas de redução das emissões (entre os vários países e consequentemente as respectivas empresas) e o papel prospectivo da energia nuclear no "pacote energético" global. Por isso este Conselho Europeu, ao decidir sobre estas questões tão relevantes, em função do grau de ambição das decisões que tomar, terá inevitavelmente ganhadores e perdedores e logo à noite saberemos quem serão uns e outros... Claro que há sempre a hipótese de diluir o grau de ambição destas propostas para lograr obter uma decisão consensual, mas, nesse caso, ficaremos a saber que, a prazo bem curto, seremos nós todos, cidadãos europeus, os verdadeiros perdedores!
- PS: O sublinhado é nosso. Publique-se na vitrine da Europa e informe-se fujão Barroso que mais vale uma reflexão de AV nas páginas de qualquer jornal do que um ano de navetes diplomáticas do actual manga-de-alpaca que fechou as portas da Europa ao mundo escavancando o seu estatuto.
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