domingo

A Carta da Nato para o Prof. Marcelo, uma oferta do Macroscópio

O prof. Marcelo regressou à caixa negra com as baterias carregadas pelo Natal e ano novo e lá percorreu o mundo depois de ter ventilado dois ou três armazéns de livros da Fnac de Cascais, Lisboa e arredores, ficando eu siderado como tem ele tempo para ler tanta coisa, se é que não se fica apenas pela lombada e índice.
E de lombada nos falou do mundo: Israel prepara-se com umas brigadas para rebentar com o potencial atómico do Irão; o Líbano é uma ficção política prisioneiro que está do Hezbollah; a Palestina rumou à direita e terá de fazer um governo de coligação para se tornar credível; da Europa, e bem, denunciou a realpolitik em nome do jogo dos valores que as grandes potências oportunísticamente sempre fazem, consoante os interesses em presença (dando os exemplos de Kadafi e Saddam, até certo ponto, enquanto servindo os interesses do Ocidente); o Tribunal do Iraque foi uma fantochada pegada, o enforcamento do ditador idem aspas; o Papa foi mais coerente; Cavaco exigiu resultados que são mais medidas cuja quantofrenia avaliará no final do ano - tendo por referência a Educação, a Justiça e a Saúde.
Depois sobreveio a vertente económica da sua análise, igualmente voadora: a Galp alinha com quem (russos, angolanos?); e a EDP - parceriza com quem? - aqui ainda pensei que se lembrasse de propôr o nome de sLopes para a presidência da secretaria-geral da empresa de energia; aplicou igual critério às Opas do milenum sobre o BPI e também equacionou a evolução futura da OPa da Sonae à PT. Tudo pela rama, já se vê, porque o tempo é curto e os livros, perdão, os assuntos, são mais que muitos. Por uma prudência tão estranha quanto inexplicável omitiu qualquer comentário sobre a não recondução de Paulo macedo - DGCI - pelo governo. Devia tê-lo feito, assim todos pensarão que foi um favor que prestou a Paulo Teixeira Pinto, do milenium.
Todavia, deixamos propositadamente para o fim o 1º País que ele mencionou (o Afeganistão) na sua análise como sendo aquele em relação ao qual a NATO deveria intervir - posto que seria a "mãe" (a expressão é minha) de todos os terrorismos, um Estado-santuário que albergava boa parte da Al Qaeda (Bin laden incluído) e que fomenta intensamente o treino e planifica as acções de terrorismo no mundo. O problema é que um professor de Direito consagrado como o professor Marcelo sabe - ou deveria saber - que a Nato não pode andar pelo mundo a intervir só porque a anormalidade e patologia do locatário da Casa Branca se lembra de abrir frentes de guerra em todos os cantos do mundo, e a mim me parece, e ao Tratado da Nato também, que o Afeganistão não cai nesse perîmetro de actuação da NATO, apesar da evolução histórica da Organização nesta última década de par com a globalização dos conflitos e a queda de alguns impérios (alguns mais virtuais do que reais).
Julgo que se pode inferir das palavras de Marcelo que a NATO deveria intervir no Afeganistão, mesmo à margem da Carta da ONU, o que seria uma clara violação da Carta e até dos princípios e normas fundadoras da OTAN. Eu que sou quase um ignorante em Direito lembro aqui ao prof. Marcelo que relaxe, vá para Cascais, sente-se alí à Boca do Inferno e coma um hot-dog, e enquanto espera pelo serviço passe os olhinhos pela Carta da OTAN, são só 14 artigos. Depois faça igual exercício sobre a Carta da ONU, uns cento e poucos, e verificará, no final, que o unilateralismo imperial made in States não é compatível nem com uma coisa (Carta da ONU) nem com outra (Tratado da OTAN, que utiliza o método do consenso). A guerra ao Iraque é um sub-produto dessa "cosmovisão" de paróquia, qual espécie de justiça dos vencedores.
Significa isto que há limites jurisdicionais e geopolíticos (e, já agora, para certas análises de Domingo) para essa intervenção, e aquele seu discurso, na prática, não passa dum apelo ao perigoso unilateralismo norte-americano mais assente na razão da força do que na força da razão; a mesma que tem desprezado a Europa, "assassinado" a autonomia das decisões da ONU e e desvirtuado e violado o Direito Internacional. Eis a apologia teo-jurídica que o prof. Marcelo acabou por fazer, ainda que perversamente, em mais uma prédica da semana.
Julgo, salvo melhor opinião, que estes erros e desvios - out of area (como é o Afeganistão) como dantes se dizia relativamente ao Tratado da OTAN (para significar que este tinha limites heopolíticos de intervenção) - decorre da intensa leitura daquela tonelada de livros que Marcelo ali promove. E se calhar é por causa disso que o prof. de Direito depois se esquece daqueles princípios normativos que informam o Tratado da OTAN/NATO que deve ser lido articuladamente com a Carta da ONU, máxime no seu artº 51.
Portanto, atribuímos 12 Val. a Marcelo, um valor a menos do que ele atribuiria ao ministro da Saúde, o tal que fala de mais e pala rama... Como sugestão de Inverno sugerimos menos banhos (ou banhadas) nos mares do Guincho nesta época, que também são out of area...
  • PS: Ainda bem que António Vitorino não cede à pressão da Ass. dos Ed. de Livreiros, das Editoras, dos autores e tipografias de Portugal - a veicular livros em directo e à tonelada. Se o fizesse, se calhar também se arriscaria a tratar os assuntos pela rama e a confundir os seus desejos com as normas que deverão regular o proclamado Direito Internacional Público. O mesmo que hoje é canalhamente instrumentalizado pela América da personalidade borderline mais doente do (neo)Império - que é GWBush.

PS1: Como Oferta a Marcelo: o artº 6 do Tratado da NATO

Artigo 6 (2) (link)

Para os fins do Artigo 5.°, considera-se ataque armado contra uma ou várias das Partes o ataque armado:

contra o território de qualquer delas na Europa ou na América do Norte, contra os Departamentos franceses da Argélia (3), contra o território da Turquia ou contra as Ilhas sob jurisdição de qualquer das Partes situadas na região do Atlântico Norte ao Norte do Trópico de Câncer; contra as forças, navios ou aeronaves de qualquer das Partes, que se encontrem nesses territórios ou em qualquer outra região da Europa na qual as forças de ocupação de qualquer das Partes estavam à data em que o tratado entrou em vigor ou no Mar Mediterrâneo ou na região do Atlântico Norte ao norte do Trópico de Câncer, ou que os sobrevoem.