O balanço da 6ª feira. O saldo (positivo) de Kofi Annan
Kofi Annan - começou como quase todos os altos funcionários da ONU, com o apoio da República Imperial (como Raymond Aron cunhou os EUA num livro maior da politologia contemporânea), o que revela como os Estados - e os EUA em especial - são importantes na tomada de decisões da Organização formada após a II Guerra Mundial com o fito de estabelecer a paz e a segurança internacionais no mundo - no rescaldo da guerra recente do que fora o nazismo alemão, o fascismo italiano e o nacionalismo expansionista nipónico - numa experiência a não repetir.
Agora que está de despedida - cumpridos que foram os seus 10 anos à frente da ONU (2 mandatos) - julgo que o balanço é francamente positivo, e só não o é mais devido ao papel hegemónico dos EUA na condução dos assuntos internacionais, impondo a maior parte das vezes a sua própria visão unilateral e bélica. Quando assim é - é a razão da força que se impõe, não a força da razão. E o Secretário-Geral, qualquer que ele seja, só tem três tipos reacções a seguir: 1) agacha-se o obedece cegamente; 2) navega em águas turvas sem fazer grandes ondas para se manter no poder; 3) ou assume a ruptura e termina o seu mandato mais cedo. Kofi Annan - geriu algumas cumplicidades, estancou algumas raivas, omitiu algumas vontades, mas nunca foi cobarde nem sabujo perante o Império que tudo cilindra. Fez s suas críticas ni timing que entendeu mais adequado, mas nãao deixou de as fazer. Foi, portanto, aquilo que sempre foi: um diplomata.
Se Timor-Leste foi um dos melhores momentos - porque juntou a sua vox à da libertação daquele amargurado e oprimido povo, que contou também com o apoio activo de Bill Clinton (seduzido por António Guterres,líder da Internacional Socialista) a guerra ao Iraque deve ter sido a antítese desses 10 anos de mandato como SG da ONU. A reforma da Organização - que hoje ainda fica paralisada pelos "quereres" e caprichos dos 5 grandes detentores da bomba atómica - é, talvez, a maior das frustrações e factores de bloqueio para o futuro. Mas como se pode fazer uma Reforma daquelas contra as vontades dos "reformados"? É, na prática impossível. É como pedir ao neto que compreenda a velhice do avô; ou a este que brinque com o mesmo fulgor com que o faz o seu neto no banco do jardim numa tarde de Verão... É da natureza das coisas.
Ou seja, como é que um alto funcionário da ONU, cujo mandato é sempre limitado no tempo, vai dizer aos EUA, RPC, França, RU e Rússia - que amanhã têm de integrar esse club restrito a Alemanha, o Brasil, a Índia, o Japão ou qualquer outra potência regional que aspire a ser membro do Conselho de Segurança da ONU - órgão que decide das condições da guerra e da pax a cada momento crítico?!. Esta é, certamente, uma reforma das reformas, e só pode ser implementada com a anuência de todos, caso contrário sossobrará. Creio mesmo que uma reforma deste fulgor só pode ser realizada se for imposta por alguma circunstância excepcional, i.é, por um acontecimento não previsto que a imponha de fora para dentro. Até lá gerem-se os conflitos correntes.
Mas isso não dispensou o lamento de Kofi - pelo facto dos EUA terem invadido o Iraque à margem do CS da ONU e do direito internacional público vigente - ante a incapacidade da Organização impôr a sua própria vontade. Foi como se tivéssemos regressado à lógica da Guerra Fria. Mandam os que podem, obedecem os que têm de obedecer. Foi assim em 2003 - numa farsa em que o cherne de Bruxelas também participou. E como prémio por essa cumplicidade foi promovido - via Blair - a ir para a Comissão Europeia - onde hoje paralisa a Europa e faz dela um apêndice dos EUA e o bloco económico com menos taxas de crescimento do mundo. Eis o legado de durão barroso na Europa - embora lá tenha sido colocado pelas "razões estratégicas" que ditaram a guerra ao Iraque, o Vietname do séc. XXI, mas com menos floresta.
Pelo meio, claro está, há sempre sombras, zonas de incerteza que mancham um perfil político e uma actuação no terreno. Desgraçadamente foi isso que fez (alegadamente) o seu filho - aquando da campanha de ajuda humanitária designada petróleo por alimentos - cujos inquéritos não foram claros, como sempre sucede nestas situações. É o que dá meter a "família no negócio", pairou sempre uma desconfiança tremenda de corrupção financeira nessa operação. Levando mesmo Annan, que é um homem superiormente inteligente e sensível, a ironizar com a questão - dizendo - que esperava que a ONU fosse mais do que isso: petróleo por alimentos, ou uns trocos para o seu filho Kojo - que ajudou a enterrar a credibilidade política do Pai em directo diante os olhos do Mundo.
Mas as suas preocupações presentes nos objectivos do Milénio - designadamente em matéria ambiental, controle de armamento, desenvolvimento podem ajudar a equilibrar o prato da balança quando em Janeiro de 2007 o sul coreano - Ban Ki Moon - assumir os comandos da ONU. Veremos se aí pesará mais o perfil duma ONU enfraquecida e descredibilizada pelos EUA - que levou a cabo a guerra ao Iraque - por capricho e estupidez natural - ou se, à contrário, aqueles objectivos desenvolvimentistas do Milénio falarão mais alto na hierarquia de forças mundial.
É curioso, mas o que verdadeiramente penso deste diplomata é que - em si - não existe bom ou mau, é apenas o pensamento que decide. O importante, creio, é que as pessoas têm hoje de formar a sua própria opinião acerca das mudanças por que passa o mundo e acerca do tipo de futuro que pretendemos criar. Isto deve-se, provavelmente, não apenas à velocidade dos acontecimentos e sua cobertura instantânea pelos media globais (ou seja, em tempo real e programado) mas também, e acima de tudo, porque o Futuro é já uma unidade cronológica com maior relevância social, política, económica e até cultural do que o Presente. Confesso, por último, que aquela capacidade (de lagarto-ao-sol) que Kofi tem para nunca se enfurecer - não sei se tem mais vantagens do que desvantagens. Geralmente, aqueles que nunca se enfurecem são sempre maus predadores, mas há sempre excepções...
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