O autor do blog Notícias da Aldeia fala de seu Pai (com primor)..

Impressiona este retrato cortante, mas cristalino para a História e uma lição de vida e ético-moral para todos nós. Vale a pena ler e, sobretudo, meditá-lo... Quem sabe muitos de nós também nos possamos rever nesse espelho retrovisor da história. E dizer, bolas! como desejaria tocar sete cordas...

cit. in blog Notícias da Aldeia:

"O senhor meu pai, Abel Rodrigues Trovão, foi um homem de sete ofícios; pequeno agricultor, pescador de bacalhau na Terra Nova, barbeiro, operário na construção da linha-férrea, funcionário público, alquimista caseiro e, já agora, grande tocador de bandolim nas solarengas tardes domingueiras do Cabeço de Cima.

Uma vida, como tantas outras, vivida em condições de extrema dificuldade, durante os longos anos da guerra, anos de fomes, tempos de duros racionamentos, durante os quais, e a partir de 1936, a solidariedade do governo português para com Franco, até a gordura dos animais enviou para Espanha, minguando-se na barriga deste povo.

Tempos de nada. Nas aldeias, vivia-se do nada. Nem o mais essencial estava acessível à generalidade do povo campesino. No seu ofício de barbeiro, pago ao ano, por avença, - em milho - meu pai desfazia barbas e cortava cabelos, ao fim de semana.

Uma vida recheada de estórias empolgantes, vividas na solidão branca do mar do norte, dentro de um pequeno bote, na pesca à linha do bacalhau ou, nas terríficas aventuras nocturnas de belzebus e lobisomens.

A generalidade da freguesia, vinha ao domingo pela manhã. P’ra ir à missa, os homens vinham cortar a barba, pelo cedo. O after shave era à época, quando havia, uma espécie de pedra que se passava nos queixos. Quando não, um gole de aguardente bem esfregado na cara, que, nestas aldeias, tanto servia de desinfectante como de antibiótico.

O resultado imagina-se, bem como, o cristão odor que a igreja concentrava."

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Nota bene:

Um belo retrato sociológico de um certo Portugal, ainda não muito recôndito, mas que é bom lembrar para termos memória daqueles que conseguiram viver, trabalhar e, nalguns casos, sobreviver, com 1% daquilo de que hoje dispomos, e, ainda assim, conseguiram viver mais felizes e em obediência à sua própria consciência e valores. Ler este retrato é - também - prestarmos homenagem á nossa história e, naturalmente, aos nossos homens dos "sete ofícios" - que, por serem mais rijos, polivalentes, imaginativos e aguçados pela necessidade do que faz o engenho (como diria o Luís Vaz) e, por tudo isso, por serem homens exemplares, ainda hoje, e aqui, falamos deles. Poderia ser o pai de muitos portugueses. Ao contrário d'hoje, que só vemos filhos da...