quarta-feira

O emprego do tempo

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  • Há dois ou três anos escrevi uma cábula que foi entretanto publicada na imprensa e depois republicada em livro. Chamei-lhe O emprego do tempo. Agora é reavivada pelo drama do desemprego de quase meio milhão de almas lusas, cerca de 8% da população activa no País. É muita fruta. Sobretudo, porque já não há navegações para fazer nem Descobrimentos por fazer. Nem já há Pinhal de Leiria em condições, e da Marinha Grande só vêm problemas e vidros partidos pelos moldes de plástico - cuja indústria de moldes desactualizou muito o sector do vidro. Já está tudo descoberto e achado. O mundo já não tem um canto de intimidade, virou uma vitrine para que todos espreitam quebrando-se assim as chamadas esferas de intimidade.
  • Hoje são eles, os jovens licenciados, amanhã poderá ser qualquer um de nós, por isso a postura mais correcta é sermos solidários e transmitirmos as ideias que pensamos para, assim, transformarmos as conciências dos decisores de molde a perspectivarem esta urgente questão com outras prioridades, outros recursos, outras políticas públicas, enfim, outra confiança, outra visão, outra liderança e outra esperança no futuro.
  • Temos também de convidar mais vezes o Bill Gatos a regressar a Portugal: ele não conhece a Palha de Abrantes, nem as Francesinhas no Puôrto, nem o circo na Madeira a cargo do palhaço-mor do costume e de mais uma catrafada de amanuenses que rastejam de pasta na mão ao bafo do cabo, nem as meninas de Odivelas, nem as de Carcavelos, nem as meninas da Av. de Roma que íam ao Vá-vá e à Luanda mostrar as roupas novas, depois de se passearem pela Mexicana e pela Roma e Capri que hoje são uma sucursal franchisada da MacDonald. O Bill, de facto, não conheceu o Portugal profundo, o Portugal que trabalha a sério... Tem, pois, de cá vir mais vezes.

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    Mas regressemos à economia real. De tempos a tempos, o governador do Banco de Portugal (BP), Vítor Constâncio, informa que o País está perigoso: a economia não cresce e cai no vermelho, o desemprego sobe e até pode ultrapassar os dois dígitos, e a sua recuperação é incerta. É caso para dizer que o desemprego vai no elevador e a economia no caixão. Um sobe, outro desce no carrossel do funeral. Mas tudo isto é face da mesma moeda. Um contraste terrível vestido a negro no nosso tempo que afecta famílias, empresas e Estado.

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  • Os salários e pensões, descontados os impostos, serão zero, causando quedas no consumo privado; a inflação é outra chaga: não há procura nem dinheiro, logo, não se compram produtos. A situação agrava-se com a valorização do euro, embaratecendo as importações no mercado mundial; o emprego só irá fazer o take-of para 2006, segundo o BP.

  • Até lá, excepcionando alguns, teremos de vegetar sonhando com ananases na lua mas, na realidade, só comendo batatas na terra. O défice externo será próximo dos 5% do PIB, e a desejada correcção da balança com o exterior acontece devido à redução da procura interna. Acresce que as empresas investem menos, deixando de comprar equipamentos e viaturas ao estrangeiro. Ou seja, é à custa da diminuição das importações (e não a um boom das exportações) que o défice externo português se ajustará. É por isso que os portugueses andam contraídos, de estômago vazio, com muitas dívidas e depressões. Como não há dinheiro, nem aos psiquiatras pagam conduzindo, também estes, à loucura.
  • Se esta é a realidade das famílias, também o Estado cancela a despesa orçamental e antecipa receitas com os pagamentos por conta; as empresas, com fracas perspectivas de negócio, congelam investimentos e multiplicam despedimentos. A esta amálgama de desgraças, alguns chamam recessão e outros pobreza. É como ter uma bomba-relógio em casa. A economia mundial é como se fosse a soma em países dessas várias bombas.
  • Mas será que tudo isto resultou do sobre-endividamento das famílias e empresas junto da banca, aproveitando a baixa taxa de juro? Terá sido só por causa da compra de habitação e do carro que entrámos em falência? Tudo agravado por uma política orçamental “expansionista” e sem sentido do passado? Seja como for, chegou a hora de pagar a factura. Mas com que dinheiro, se não há anéis nem dedos!? São sempre as classes mais desfavorecidas as mais penalizadas. Razão tem o Francisco Sarsfield Cabral ao dizer que mais grave que a recessão é não mudarmos as nossas condições de competitividade (DN, 2/7/03). E eu acrescento, os pobres têm tanto azar que quando chove sopa dos céus só têm garfos nas mãos.
  • Ironias à parte o Portugal d’hoje invoca-me dois filmes (e meio). Dois da 7ª arte, meio da TV: O Emprego do Tempo, de Laurent Cantet (2001) e Segunda ao Sol. Ambos sobre o mundo do trabalho do nosso tempo.
  • Aquele reflecte a história de um ex-quadro que durante anos mentiu à família que tinha sido despedido e mantinha a ilusão do estatuto social e do ordenado que já não tinha. Fazia do habitáculo do seu carro e dos parques de estacionamento dos hotéis, a sua residência. Simula estar empregado só porque não teve coragem de dizer que foi despedido, daí a ocupação do tempo ser um permanente fingimento.
  • Penetra nas empresas para observar com nostalgia aqueles que trabalham. Simula reuniões, visita bibliotecas, marca encontros de negócios e, perante todos, finge ser quem não é. Chega até a enganar amigos deles recebendo dinheiro para supostas aplicações financeiras na bolsa de Moscovo.
  • O segundo filme, Segunda ao Sol, retrata a história de um operário da construção naval de Vigo que partilha com quatro companheiros o infortúnio do desemprego. Um é imigrante do Leste, onde fora astronauta; o outro bebe para esquecer o desemprego e o abandono da mulher; o outro ainda tem mulher, mas para sua vergonha, ela trabalha; e o último passa o dia em entrevistas de emprego. Prepara-se para elas como para um exame de vida, buscando a juventude nas roupas ou na tinta preta para o cabelo.
  • O “meio” filme é a Rede, interpretado pela divina Sandra Bullock (liga-me depois das 7 am & Pi-ém), em que uma analista informática se vê envolvida numa rede de intriga e conspiração por alguém lhe ter atribuído uma falsa identidade e um registo criminal que também não é o seu. Sem dinheiro, identificação e credibilidade, terá de arranjar forças e recursos para lutar contra as forças do mal.
  • Qualquer uma destas histórias neo-realistas, é um traço da globalização infeliz do nosso tempo. Ambas reproduzem viagens ao íntimo do desespero de milhões de pessoas. É impressionante verificar como o trabalho se apropria de todos os aspectos da vida, reflectindo depois o respectivo estatuto social em função de cada posição na sociedade. O trabalho liberta, como diria Hegel; mas a sua privação aprisiona o homem na “jaula” da existência.
  • Cada vez mais o homem vive para trabalhar, como um animal de carga, em lugar de trabalhar para viver. Enfim, uma barbárie doce que anuncia filmes de Verão para os nossos políticos…
  • Mas também aqui acompanhamos Agostinho da Silva - quando há 20 anos conseguira prever o desfecho e as consequências do sistema neoliberal no mundo do trabalho e dos dramas que a globalização predatória tem gerado em todas as sociedades, a Ocidente e a Oriente do mundo.
  • Como dizia Agostinho da Silva - o homem não foi concebido para trabalhar como um burro-de-carga, sem ofensa para o burro - que é dos animais mais talentosos, meigos e mais fieis que a maior parte das mulheres. O homem foi feito para criar e contemplar. Para ser artista como Salvador Dalí - que surpreendia a realidade com o seu génio neorealista; e para contemplar, como Dalai Lama.
  • Era também assim que eu gostaria de ser: um artista contemplativo, excelente desculpa para não fazer nenhum. Depois podia até dar-me ao luxo, como fizera o transloucado do Dalí - de chegar a Paris e partir umas montras com umas valentes pedradas, depois entrar calmamente e ripar do livro-de-cheques para pagar os estragos. Despedindo-se das pessoas, como se nada se passara, com um esfusiante - boa tarde, hasta la vista.
  • Temo bem que se a moda pegasse as pessoas começariam a fazer a cena do Dalí no Palácio de Belém, para acordar as moscas e a letargia destes últimos 10 anos de não-mandato; no Palácio de S. Bento para acordar o PM; na Procuradoria-Geral-da República, no Tribunal Constitucional e na globalidade da instituições políticas deste país.
  • A questão que deixo é saber qual delas ficaria intacta?
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