quinta-feira

Eles quiseram morrer juntos, dizem as cartas

Eles quiseram morrer juntos, dizem as cartas

Um pacto de suicídio com mais de 100 anos ou um assassinato que teve origem numa intrincada conspiração política? Um acto desesperado ou o resultado da vingança pessoal de uma mulher que nunca se sentiu desejada nem conseguiu dar ao império austro-húngaro um herdeiro? Um duplo homicídio executado por agentes secretos ou a última vontade de um homem que sempre se sentiu fascinado pela morte? Como explicar a morte do herdeiro do império Habsburgo, Rodolfo da Áustria, e de uma das suas amantes, a jovem baronesa Maria Vetsera? O mistério que a rodeia é um dos mais populares dos finais do século XIX e acaba de conhecer um novo desenvolvimento com a descoberta das cartas que Vetsera escreveu à mãe e aos irmãos pouco antes de morrer, a 30 de Janeiro de 1889, no pavilhão de caça que o herdeiro austríaco tinha na pequena cidade de Mayerling, 30km a sul de Viena.
As teorias sobre a morte do casal, umas bem mais plausíveis do que outras, avolumaram-se ao longo de décadas. E se algumas procuram caução no complexo tabuleiro político da Europa da época, antecâmara da Primeira Guerra Mundial, outras parecem saídas de uma conversa de café, de tão banais. Umas vêem no temperamento do herdeiro, sempre rodeado de mulheres e de artistas - muito mais próximo do da sua mãe, a célebre imperatriz Sissi (Isabel da Baviera), do que do do seu pai, o autoritário imperador Francisco José I - a explicação para o seu casamento falhado com a princesa Estefânia da Bélgica, com quem viria a ter uma filha, Isabel, e para os anticorpos que tinha na corte. Outras responsabilizam as suas ideias anticlericais e a sua ligação ao povo húngaro, para quem defendia uma maior autonomia, pelo isolamento político que haveria de contribuir para a sua morte. Numa corte muito conservadora e pró-Alemanha, Rodolfo era visto como um progressista perigoso que punha em risco a unidade do império e que afrontava a moral com as suas relações fora do casamento.
Foi precisamente para evitar o escândalo que decorreria de se saber que o herdeiro ao trono fora encontrado morto junto a uma das suas amantes que o corpo de Vetsera foi sepultado à pressa e em segredo. Foi para evitar que os pormenores daquele que ficaria conhecido como o Incidente de Mayerlingenchessem páginas de jornais – a notícia foi amplamente tratada nos principais títulos europeus – que praticamente todos os documentos a ele ligados desapareceram e que o inquérito que o imperador Francisco José ordenou à morte do filho foi atabalhoado e deixou muita margem às mais variadas teorias.  
Descoberta “sensacional”
As cartas agora descobertas parecem vir reforçar a teoria que defende que os dois amantes morreram na sequência de um homicídio-suicídio previamente acordado (Rodolfo terá matado Maria Vetsera com um tiro na cabeça antes de virar a arma para si próprio), como argumentam boa parte dos historiadores que estudaram o Incidente de Mayerling, mas é preciso que os especialistas as estudem a fundo antes de tirar conclusões definitivas.

“Querida mãe / Por favor perdoa-me o que fiz / Não conseguiu resistir ao amor”, escreve a jovem baronesa, pouco antes de morrer. “De acordo com ele, quero ser enterrada junto a ele no Cemitério de Alland /Sou mais feliz na morte que na vida.” A carta estava no cofre de um banco de Viena, dentro de uma pasta de cabedal com fotografias e outros documentos da família Vetsera ali depositada desde 1926, anunciou recentemente a Biblioteca Nacional da Áustria, que classifica como “sensacional” a descoberta das cartas de despedida da jovem amante do herdeiro do império austro-húngaro (para além da que dirige à mãe, escreve também ao irmão, Feri, e à irmã, Hanna).
É grande o entusiasmo à volta destas cartas, cuja existência era conhecida dos historiadores mas que se julgava terem sido destruídas depois da morte da mãe de Maria Vetsera, admitem os responsáveis da biblioteca. Depois de cuidadosamente analisados, os três documentos vão integrar a exposição que a biblioteca vai dedicar ao imperador Francisco José I em 2016, quando passarem 100 anos sobre a sua morte.
Não se sabe quem terá deixado no cofre os documentos de família agora encontrados, explica ainda a biblioteca num comunicado. O que se sabe é que as três cartas estavam fechadas num envelope com a insígnia do príncipe herdeiro, escrevem os jornais austríacos. Até aqui julgava-se que o único documento sobrevivente ligado a este homicídio-suicídio era a carta que o herdeiro do império Habsburgo deixou à sua mulher, Estefânia da Bélgica.
“Não consegui rever-te”, escreve Maria Vetsera ao irmão. “Vive bem. Tomarei conta de ti do outro lado porque te amo muito.” Na carta a Hanna, a irmã, é ainda mais clara: “Várias horas antes da minha morte quero dizer-te adeus. Entramos felizes no desconhecido.”
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