segunda-feira

Sobre Soares por PAULO BALDAIA




Mário Soares é em Portugal, na minha opinião, a personalidade maior do século XX. Friso o século XX porque estamos já no século XXI e não me apetece boiar nas águas paradas com que o olham nos dias que correm. Aborrece-me a complacência como é olhado por uma certa esquerda saudosista da mesma forma que me enjoa a forma troglodita como uma certa direita teima em ver apenas os seus defeitos esquecendo as suas virtudes.
- A memória não é curta e por isso se extremam tanto as posições. O que os seus acérrimos defensores não podem querer é que a comunicação social continue a dar grande destaque às posições do ex-presidente da República, mas que o faça de forma acrítica. Soares é tão livre de dizer o que pensa como são livres os comentadores de dizer o que pensam sobre o que ele diz. Na monarquia é que há "vacas sagradas".
- Do mesmo modo, Soares não é o conjunto de ficções que sobre ele montaram a propósito da descolonização nem a sua actividade política se resume às coisas mais ou menos disparatadas que tem dito nos últimos tempos. Há um momento crucial na vida de Mário Soares, que é o momento em que deu corajosamente a cara pela defesa da democracia como a única forma de trazer a Portugal o desenvolvimento social.
- O combate contra todas as teorias totalitárias é o maior legado que este político nos deixou para o podermos agora criticar. Soares (e os que por mera fidelidade não se atrevem a criticá-lo) não pode esperar que todos os outros esqueçam o que aprenderam com ele. Posso estar errado, mas prefiro errar a não pensar.
- Faço pela enésima vez uma declaração de interesses: Assessorei Mário Soares e trabalhei o melhor que soube para que tivesse um bom resultado nas eleições Europeias de 1999. Conheci um homem fantástico, confirmei o que tinha lido sobre o seu espírito livre. Vivi como profissional da comunicação a melhor experiência da minha vida. Livre me juntei a ele como assessor e livre regressei à profissão de jornalista.
- Com a mesma liberdade o critico agora pela forma como tenta condicionar a actual liderança do PS, chegando ao ponto de dar maior importância à reabilitação política de José Sócrates do que ao apoio crítico que dele merece António José Seguro. Sem medo das palavras, também me parece importante chamar a atenção para o simples ajuste de contas a que Soares quer sujeitar Cavaco Silva.
- Desenganem-se os que vêem na crítica a Mário Soares uma barreira liderada por uma força oculta para o calar. O que há, entre a elite dominante, é uma grande discrepância no tratamento que se dá ao antigo presidente e ao actual. Soares pode fazer mal que estará sempre bem, Cavaco pode fazer bem que estará sempre mal. Não dou para esse peditório.
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  • Sublinhado é meu


Obs: Paulo Baldaia faz aqui um rasgado elogio a Mário Soares, mesmo quando procura desvalorizar a sua actuação na comparação com Cavaco, que tem uma escassa dimensão cultural e nenhum currículo na transição dos regimes (ditadura para a democracia), cujo desenlace poderia, ao menos, até porque Cavaco já tinha idade para isso, ter servido para institucionalizar a democracia pluralista - saída dum regime de ditadura conservadora de quase quatro décadas. 
- Esse crédito político ninguém hoje pode atribuir a Cavaco, mas é inteiramente imputado ao ex-PR que, de resto, só condiciona António José Seguro (como defende o jornalista) na exacta medida em que este decide, deliberadamente, falar ou manter-se discreto para surfar a onda e estar atento às movimentações internas que - do lado de António Costa ou do lado de Sócrates, possam, de súbito, despontar. 
- No fundo, a crítica que Baldaia procura direccionar a Soares, com quem trabalhou, acaba, perversamente, por atingir mais Seguro e Cavaco: àquele porque, subjectiva e objectivamente, tem revelado uma frágil liderança e incapacidade de afirmar um projecto de oposição alternativo ao XIX Governo Constitucional, além de não ter ainda conseguido "arrumar a casa" (leia-se, o PS); a Cavaco - porque põe a nu a sua falta de background político e um esteio de cultura democrática tão urgente no pós-74 - e sem a qual muitos de nós, jornalistas ou não, hoje estaríamos impedidos de estar aqui a comentar.
- Por isso, junto-me aqui a Paulo Baldaia no rasgado elogio que tece ao "velho leão" da 3ª República Portuguesa logo na sua 1ª linha. 

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