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Marques Mendes no PSD e Maria Carrilho no PS: dois casos de retórica política

No seu comentário semanal na Edição das 22h na TVI24, Mendes explicou que era uma “lista exemplificativa” e “não taxativa”, por entender que se “pode ir ainda mais longe”, que tem como objectivo contribuir “para uma discussão concreta e não apenas teórica e centrada em generalidades”.
“Extinguir organismos - inúteis ou com competências duplicadas e sobrepostas - representa uma mudança estrutural no Estado e não apenas conjuntural, como, por exemplo, o corte de salários”, afirmou o social-democrata no espaço de informação conduzido pelo jornalista Paulo Magalhães.
São várias dezenas de exemplos que Marques Mendes explica porque extinguia ou fundia, fundamentando as razões e dizendo até o que se poderia poupar.
Um dos casos apontados é a extinção dos 18 governos civis. E Mendes explica porquê: “Hoje os governos civis não fazem qualquer sentido; estão desprovidos de competências; as suas pequenas competências (de carácter administrativo e de concessão de licenças de exploração de estabelecimentos) podem passar para as câmaras municipais (com vantagem de proximidade para os cidadãos); a sua extinção permite poupar significativamente (porque têm grandes estruturas de pessoal); servem de “sacos azuis” de vários governos; o PSD, em 2002, prometeu a sua extinção mas também falhou (não cumpriu) por falta de vontade política.”
Para Marques Mendes a extinção ou fusão de organismos financiados pelo Estado permitiria “menos burocracia, menos clientelismo e menos estruturas e dirigentes”. “São menos administradores, menos departamentos administrativos, financeiros, de contabilidade, de aprovisionamento e de pessoal”, acrescentou. O ex-presidente do PSD diz saber que “haverá muitas resistências”, porque “todos, no seu caso particular, encontrarão explicações para o seu serviço não ser extinto”. “É preciso haver forte vontade política”, conclui.
A lista de Marques Mendes
Ministério das Obras Públicas - 4
1. INIR (Instituto Nacional de Infraestruturas Rodoviárias)
a) Funções de Regulação (Parcerias Público-Privadas) e de Fiscalização da Rede Rodioviária Nacional; b) São competências que já estão hoje na EP Estradas de Portugal e no IMTT (antiga Direcção Geral de Viação).
CONCLUSÃO: PODE SER EXTINTO.
2. GISAF (Gabinete Investigação e Segurança de Acidentes Ferroviários).
a) Funções de Investigação quando há acidentes ferroviários; b) Funções que também estão na CP e na REFER (quando há um acidente ferroviário é a CP ou a Refer que trata do assunto). c) Parece um instituto criado para colocar um socialista desempregado da gestão das EP dos Transportes (João Crisóstomo).
CONCLUSÃO: PODE SER EXTINTO.
3. NAER (Instituto para estudar e Conceber o Novo Aeroporto de Lisboa)
a) As suas funções podem perfeitamente passar para a ANA, EP (Empresa de Aeroportos e Navegação Aérea) b) É uma racionalização óbvia e necessária.
CONCLUSÃO: ESTE SERVIÇO PODE SER EXTINTO.
4. Fundação das comunicações móveis (uma das centenas que existem – pendurada no Estado)
a) Tratou do computador Magalhães; b) Estado nomeia os seus gestores (clientelas); c) AR já propôs a sua extinção em relatório aprovado; d) Governo fez vista grossa. O Governo gosta mais de reduzir salários que extinguir serviços.
CONCLUSÃO: PODE SER EXTINTA
Ministério da Agricultura - 3
1. No âmbito do PRODER (QREN da Agricultura) há 2 serviços:
a) Gabinete do Planeamento (Concebe Projectos e Gere o Programa); e o b) IFAP (antigo IFADAP) – Paga e fiscaliza os apoios concedidos.
CONCLUSÃO: O Gabinete de Planeamento pode ser extinto e as suas competências passarem para o IFAP.É mais coerente, evitam-se sobreposições de competências e poupa-se dinheiro público.
2. Fundação Alter Real (...)
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Obs:
Uma nota preliminar para referir que quer Marques Mendes quer MMCarrilho são ambos pessoas intelectualmente capazes: Mendes é um workaholic que foi considerado o "laranja-mecânico" ao tempo do cavaquismo que distribuía todo o jogo parlamentar; Carrilho deixou algum legado no MC ao tempo de Guterres, com quem saíu em rota de colisão. Hoje ambos estão fora do poder, Mendes faz vida no sector privado onde deverá ganhar 5 vezes mais, e Carrilho perdeu o status de embaixador-político na UNESCO porque o PM - via Luís Amado/MNE - não lhe renovou o ticket. As razões são mais do que conhecidas, nem sequer valerá a pena escalpelizá-las.
Mas o que é curioso notar entre um e outro, neste bloco central dos interesses, é identificar aquilo que Mendes propõe que se faça na máquina do Estado e Carrilho na esfera partidária. Mendes pretende racionalizar os organismos e entidades públicas que replicam funções que poderiam ser centralizadas nos serviços nucleares do Estado, sem mais esbanjamento de recursos públicos, e dá inúmeros exemplos em vários ministérios; Carrilho, pelo seu lado, defende que os partidos políticos se abram à sociedade civil para serem, de facto, verdadeiros laboratórios de ideias e antenas junto da sociedade civil.
Em tese um e outro têm razão, pois o que preconizam aponta para uma redução e aumento a eficácia do funcionamento das instituições do Estado e uma renovação dos partidos, que assim pensariam com base em ideias e projectos mais sólidos e competitivos e com uma logística de funcionamento e uma estrutura de custos menor, o que seria melhor para a economia nacional e, por extensão, para a qualidade de vida dos portugueses.
O problema, como ocorre sempre neste tipo de retórica política dos derrotados da política, é que Mendes teve responsabilidades no PSD até há pouco tempo, e se não gastasse boa parte do seu tempo a tentar manipular o então autarca da capital, Carmona Rodrigues no seio das intrigas palacianas no PSD teria, porventura, mais energia para propor essas fusões, extinções e reformas orgânicas em sede de parlamento, onde tinha assento e regularmente levava pancada política do actual PM, Sócrates; e Carrilho também teria mais credibilidade política se pugnasse por um renovado debate político interno no PS se o tivesse proposto antes e durante a sua comissão de serviço de luxo na UNESCO. Não o fizeram.
Infelizmente, ou lamentavelmente, nem um nem outro quiseram chegar-se à frente com as suas miríficas propostas políticas em tempo útil para reformar o Estado e para reformar os partidos, e, agora, porque estão zangados com o poder, porque este lhes deixou de garantir os salários e as mordomias, afirmam na praça pública medidas - muitas delas oportunas e realistas - que poderiam ter defendido e promovido quando estava integrados na máquina do poder. Marques Mendes como líder do maior partido da oposição, e Carrilho como alto quadro do PS, além de filósofo nas horas vagas.
De certo modo, esta forma de estar e de actuar na polis em Portugal é bem reveladora da personalidade - individual e colectiva - do povinho português, ou seja, enquanto o problema mora no quintal dos outros todos são geniais a pensar, mas ninguém propõem que se faça nenhuma reforma em concreto; quando esses players são atingidos pelo poder, directa ou indirectamente, aqui d´El Rei.
Dito isto deste bloco central dos interesses até apetece dizer: quem não os conheça...

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