sexta-feira

A Festa do Chibo - por Mario Vargas Llosa -

Em A Festa do Chibo, Mario Vargas Llosa recupera uma tradição na literatura latino-americana, a do romance sobre ditadores, no caso a ditadura de Trujillo, na República Dominicana. Não havendo hoje tantos ditadores como há uma década ou duas, bem sei que há tipos como Hugo Chavez que já não são como Trujillo, mas também não são verdadeiramente democratas, pergunto-me se aquela tradição literária não se deveria reorientar para as formas de ditadura emergentes: a que está bem patente na chamada ditadura dos mercados, protagonizada pelas agência de rating, pelas OIs, pelos fundos de pensões e demais entidades especulativas que manipulam os fluxos do capital nos circuítos financeiros à escala planetária e determinam o valor do dinheiro e das respectivas taxas de juros.
Esses são hoje os verdadeiros ditadores da economia global, na medida em que é através dela que condicionam toda a actividade empresarial, governamental e individual no miolo das sociedades contemporâneas. Ora, especializado e atento às várias formas de exercício do poder, Mario Vargas Llosa poderia encontrar aqui as sementes para os seus próximos trabalhos, ante a ausência de mais Trujillos.
A Festa do Chibo hoje já não será mais uma viagem ao passado ditatorial dos nossos regimes, mas um estudo dos mecanismos formais e informais que dinamizam a economia global, e avaliar de que forma condicionam governos, empresas, famílias e indivíduos na escala da existência.
É a economia que infunde actualmente medo aos nossos governantes e incerteza às empresas e à generalidade da actividade económica. As agências de rating humilham mais uma nação do que Hugo Chavez humilha o seu povo, tornado refém duma democracia musculada; o que aborrece mais: uma prisão em Cuba por mais um delito de opinião, ou uma setença do FMI sobre a performance da economia portuguesa?!
Eis as formas emergentes da ditadura dos mercados que são, na terminologia de Llosa, os Chibos do nosso tempo e com os quais, lamentavelmente, teremos de saber conviver.
Recuperando algumas das ideias de Mario Vargas Llosa - e transportado para o nosso mundo, sou levado a concluir que hoje o homem só é fiel ao dinheiro e à economia que o sustenta, por isso ele é obrigado a agir duma forma calculista no quadro das suas relações pessoais e institucionais, mente sistemáticamente como quem bebe um copo de água. A rotina do sistema é de tal ordem que, a dado passo, ele já não consegue distinguir a força da representação da sua mentira da própria realidade que ele, por necessidade, sempre teve que ocultar.
E essa também é uma forma de ditadura sobre o pensamento que impele a uma determinada acção. Miserável, mas acção!!! Neste capítulo, George Orwell aqui evocado em reflexão infra - foi inultrapassável na mestria dessa narrativa, cabendo à novilíngua do 1984 o expoente dessa tendência literária.
Temo que nesta nossa caminhada para o aprofundamento da democracia, nos estejamos todos a tornar nuns verdadeiros "chibos", dispostos a tudo desde que esse "tudo" venha ao encontro dos nossos interesses mais imediatos.
O problema é que a satisfação desses interesses imediatos implica a destruição de toda uma economia, de resto a Europa é hoje uma pálida imagem do que foi ao tempo de Delors, com a agravante de ter à sua frente uma frouxa liderança portuguesa.
Até nisto tivémos um azar dos Távoras...
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