sexta-feira

Escasseia o tempo - por António Vitorino -

As crises têm sempre uma forte componente de irracionalidade. Os seus actores ficam muitas vezes presos pelo que dizem e, mesmo achando indesejáveis os resultados, mostram-se incapazes ou impossibilitados de os evitarem. DN
Algo me diz que estamos a caminhar para uma situação dessas.
Se assim for, não vai ser bonito de ver o subsequente "jogo do empurra" das acusações de quem quis ou não quis, de quem mais ou menos contribuiu para a eclosão da crise.
Infelizmente receio que o impacto (imediato) de uma crise política não deixe muito campo para os floreados das acusações mútuas. O preço a pagar (no sentido mais literal do termo…) será tão brutal que rapidamente teremos a sensação de que surge naqueles jogos de futebol onde lamentamos não ser possível que as duas equipas percam pontos!
O debate sobre uma eventual crise é filho dilecto do ambiente muito paroquial com que normalmente equacionamos as grandes questões nacionais. Gerando a ilusão de que há "uma" solução (e apenas uma) para cada problema, ganha-se na simplificação das opções (ou se aumentam os impostos ou se cortam nas despesas, escolha a sua solução favorita!) embora, a prazo, se perca inevitavelmente na resolução do problema de fundo.
As medidas de austeridade são tão indesejáveis quanto inevitáveis. Indesejáveis pelos custos económicos e sociais que sempre comportam, os quais não adianta negar. Inevitáveis porque, no ponto em que estamos, criar a ilusão de que, sem elas, seria possível ultrapassar a crise oscila entre o demagógico e o irresponsável.
Ficamos assim confrontados com um cardápio de soluções que nos são avançadas, onde, por simplificação, somo levados a pensar que seja cortando (ainda mais) na despesa, seja esticando (ainda mais) os limites da carga fiscal, conseguiremos superar o aperto presente.
Esta semana quer o FMI quer o Banco de Portugal vieram lembrar (embora em tons distintos entre si e com diferente grau de gravidade) que uma incontornável política de austeridade tem sempre efeitos negativos no crescimento económico e no emprego. Logo, o que pedimos aos responsáveis é que ponderem cuidadamente em que medida é que será possível minimizar os impactos negativos de tais políticas de austeridade. Questão para a qual se terá de encontrar resposta tanto do lado da redução da despesa como do lado do aumento da receita. O debate importante será, assim, mais o de identificar qual a despesa a reduzir e qual a receita a aumentar, explicando como se espera que umas e outras medidas se projectem sobre o tecido económico no curto e no médio prazo. Porque esse, sim, é o debate essencial quer para a criação de condições de confiança nos agentes económicos quer para a gestão das expectativas quanto aos efeitos sociais imediatos e a prazo.
Mas tal não será suficiente para combater a irracionalidade da dinâmica de crise política que está já lançada entre nós.
Importa, também, ao mesmo tempo que se saia da estreita fronteira do debate nacional e que não se oculte que as políticas de austeridade dos demais países do nosso espaço económico europeu têm efeitos recíprocos e que, assim como há dois anos houve uma coordenação europeia das políticas de estímulo económico que impediram que nos afundássemos numa recessão profunda, também as políticas de austeridade e ajustamento das finanças públicas não podem deixar de ser vistas e ponderadas no mais vasto plano europeu. Ora, esta dimensão tem faltado no quadro da União Europeia.
A que acresce que, se acreditarmos que as crises económicas são simultaneamente períodos de ameaça mas também de oportunidade, a legitimação das políticas de austeridade não pode andar dissociada da apresentação de reformas estruturais que respondam às causas de fundo das dificuldades económicas e não apenas aos seus efeitos circunstanciais.
É aqui que não pode deixar de se fazer ouvir a voz das instituições europeias, seja da Comissão seja do grupo que, no quadro do Conselho Europeu, debate as propostas de coordenação futura das políticas económicas nacionais. Para que se façam ouvir estas vozes já começa a escassear o tempo!
Obs: É nestes momentos que percebemos que pouco ou nada já podemos fazer pela nossa economia, pelos portugueses, pela conjuntura. Lembro-de de ouvir AV falar que antes de a situação económica portuguesa começar a melhorar ainda iria piorar, pois é o que está precisamente a acontecer e reflete-se da pior forma nas condições de vida dos portugueses. O ano de 2011 será, seguramente, um tempo recessivo na vida do país, não obstante as exportações minorarem esse passivo - que se irá agravar. Em particular na chamada classe média e média-baixa. Influente junto do governo e do PM em particular - ou não - o que é facto é que esse mesmo governo e esse mesmo PM "assobiou ao cochicho", como diria MRS - a muitos dos avisos que foram feitos no espaço de análise política, e, agora, ante as dificuldades reveladas pelos indicadores micro e macro-económicos da república (agravados pelos avisos provenientes do exterior - FMI, OCDE, agências de rating e o mais) - houve a necessidade extrema de se recorrer a medidas draconianas. É pena que assim seja, é pena que o exercício do poder, especialmente numa república - o poder não seja mais tolerante, o que significa capacidade de as direcções partidárias ouvirem com atenção outras opiniões e integrar essas sugestões nas políticas públicas. Mas em tempo útil. E o mais frustrante no reconhecimento de toda esta situação de estagnação para que caminhamos, que já levou o poder em exercício a perder imensa base de apoio sociológico, é que a energia que aqui se perdeu também não reverteu positivamente para o PSD (nem para nenhum outro partido do sistema político nacional) - que não apresentou - nem tem - um projecto político alternativo para Portugal, muito menos agora em que ninguém quer subir a penosa escadaria de S. Bento para se sentar no cadeirão mais problemático do país. Tenho pena que governo e PM em particular não tenham sabido ouvir as sugestões que AV (e outros analistas talentosos) deixaram ao país através do seu então espaço de análise Notas Soltas, ou, à contrário, tenho pena que AV não tenha falado mais alto a fim de que se pudesse fazer ouvir.

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