segunda-feira

A luz-fosca de Marcelo de Sousa: o porta-voz não autorizado de Cavaco

Marcelo Rebelo de Sousa tinha hoje uma “notícia” para dar na sua missa de Domingo, e fê-lo com o seu habitual tique de profeta do óbvio nesta austera, apagada e vil tristeza que nos tolhe: “Cavaco Silva vai anunciar a sua recandidatura [à Presidência da República] no dia 26 (deste mês).
Uma notícia cujo brilho espelha bem aquela luz fosca...
Em face dessa "presciência de aviário", direi algumas notas: qualquer cidadão que acompanhe o desenrolar da vida pública nacBlockquoteional, terá a percepção que Cavaco tenciona recandidatar-se a Belém e concluir o ciclo dos 10 anos no Palácio Rosa, razão por que não percebo o oráculo de Marcelo em reiterar o óbvio. Mas o comentador é assim, quer acertar no dia, na hora, no segundo... Estou certo que Cavaco lhe fará a vontade e Marcelo terá mais um orgasmo analítico. Nem quero imaginar o que o analista conjectura acerca da vida íntima do casal Silva, sobretudo no Outono em que as noites estão mais frias...
Por outro lado, acho deveras inapropriado que o analista tenha consumido o tempo que consumiu a dissertar sobre a situação em Moçambique, já sabemos que o fez por razões de índole familiar e sentimental, mas também aí os dados que forneceu relevam muito pouco quer para a economia/interesse nacional, quer para os dramas que os portugueses têm que enfrentar no seu próprio país. Ao menos essas notas sobre a colonização portuguesa no continente africano poderiam comportar um laivo de modernidade, mas só espelhou um traço de sentimentalismo bacoco e de auto-elogio familiar. Talvez um pouco de humildade ficasse bem perante a História...
É nesses momentos que o verdadeiro analista tem (e deve) saber distrinçar aquilo que releva para o interesse geral daquilo que deveria ocorrer no quadro duma conversa mais familiar, mas o analista não resiste a confundir aquilo que foi efectivamente a história colonial vigente pelo regime de Salazar - de que seu pai fora um executante enquanto governador do território - daquilo que são as impressões e percepções que os indígenas tiveram à época relativamente ao regime político português e à ditadura do velho "Botas", assim como aos quadros ultramarinos que funcionavam como meras extensões administrativas da arquitectura de Salazar no império e que vigorou em Portugal durante 40 anos.
Se Marcelo quer reescrever a sua "estória" colonial que o faça, é até livre de ser hiper-criativo e vislumbrar actos grandiloquentes onde existiram apenas actos de gestão comum típicos de fim de império, e até aduzir uns pózinhos de colonização altruísta hiper-desenvolvimentista que só nós, os portugueses, fomos os portadores, mas creio que isso pouco ou nada interessa aos portugueses actualmente nem à nossa historiografia.
A estória das famílias, a micro-história há muito que foi substituída pela Escola dos Annales, de Braudel, M. Bloch e outros, que oferece uma visão mais estrutural e dinâmica dos processos históricos.
E a ser assim, o comentador devia deixar-se de fazer estória à sua moda, nesse registo creio que os portugueses preferem 10 mil vezes visionar os programas sobre a história das cidades desenvolvida pelo historiador José Hermano Saraiva.
Para a estória fica o papel a que Marcelo se presta, o de porta-voz não autorizado de Belém, embora pensasse que o dito era Conselheiro de Belém.

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