A Queda de um Anjo - por Camilo Castelo Branco
Os verões em Portugal converteram-se numa rotina lamentável: fogos postos e incêndios naturais, as promessas vãs do poder, o ridículo e ausência de ideias das oposições, a futebolada e a pornoxanchada do caso Queiroz e as notícias de ocasião num exercício fútil de encher chouriços para dar pão e circo ao povo que continua alienado como dantes. Resta pouco no mês de Agosto para fazer ou pensar algo de jeito neste nosso querido Portugal à beira-mar "implantado". Assim sendo, sempre temos a opção de revisitar os clássicos da nossa literatura, de que Camilo Castelo Branco foi um dos nossos maiores escritores e que aqui evocamos sumariamente na sua obra A Queda de um Anjo - em cujo romance satítrico Camilo descreve a corrupção de Calisto Eloi e de Barbuda, um fidalgo minhoto que ao deslocar-se da província para a capital se deixa corromper.
Nesse trajecto se descreve a vida social no país, o Portugal antigo, os costumes conservadores do nosso povo. O luxo, o sexo e os prazeres acabam por corromper Calisto - que acaba por se enrolar com uma prima distante, a Ifigénia - numa relação reprovada pela sociedade puritana de então.
Para equilibrar as coisas, sua mulher, Teodora, uma aldeã conservadora, imita-o na sua devassidão diante tanta modernidade e, curiosamente, acaba por ter um caso com um primo interesseiro. Ver, a esta distância, o interesseirismo destes personagens corruptos é, em inúmeras circunstâncias, descrever cenas do nosso quotidiano, a ponto de pensarmos que apenas mudam os nomes e as vestes das pessoas, quanto ao mais tudo permanence na maior das podridões. Apanhar este registo de forma sistemática (satírica e até humorística) só um Camilo ou um Eça, com mais mundo e cosmopolitismo, conseguem fazê-lo. Talvez por essa razão valha a pena regressar aos clássicos portugueses. Um exercício sempre mais útil e vantagoso do que vegetar nas desgraças e futilidades que as estações de tv nos servem em quantidades industriais. No fundo, todas as alturas são boas ocasiões para evocar um intelecto e uma figura da dimensão de Camilo Castelo Branco. Ainda que a meio do Verão, dos incêndios e dos factóides que a media debita como quem fornece palha aos burros do nosso tempo.
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