segunda-feira

Nino Vieira e a sombra de Ansumane Mané. A velha África e o novo assassinato político

Hoje acordei com uma notícia que reflecte um velho método de fazer política em África: o recurso ao assassinato como forma de regulação política, à semelhança doutros tempos - em que o excesso de população era regulado pela guerra, que assim causava as mortes necessárias para que o excesso de bocas não esgotasse rápidamente os recursos alimentares existentes, o eterno problema da África subsariana.
Desta forma, nem o Presidente da Guiné-Bissau Nino Vieira nem o Cehfe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Gen. Tagmé Waié, sobreviveram. Ambos foram mortos pelo mesmo método: ataque à bomba, normal em África.
Como reacção natural Portugal, com especiais responsabilidades históricas, já promoveu uma reunião multilateral para que a comunidade internacional se mobilize e supervisione de perto a situação, a fim de evitar a anarquia no território e o descontrolo total da situação. Bem sabemos como são as instituições (de papel) na Guiné-Bissau, meras organizações teleguiadas por chefes militares com influência sobre as populações. Lá o racionalismo-normativo e as virtualidades da burocracaia explicadas por Max Weber ainda não foram devidamente entendidas.
Trata-se, em rigor, de um Estado-falhado sem base civil, política, jurídica, económica e social para se auto-regular, daí a urgência da intervenção da comunidade internacional, para que o poder militar continue a obedecer e a vincular-se à ordem política, o que é uma raridade em África - onde sempre contou a lei da bala e da catanada.
Contudo, gostaria de recordar que o peso da história é crucial em África. Lá nada se esquece, nem o melhor mas sobretudo o pior. É neste alinhamento do espírito africano que Ansumane Mané, à direita na imagem supra, então líder da Junta Militar da Guiné-Bissau - iniciou em 1998 um levantamento dos Militares, que originaram a demissão do então Presidente da República, General Bernardo Nino Vieira, que costumava passar férias em Portugal. Como grande parte dos líderes da "África-portuguesa" que cá estudaram e alguns até fizeram poesia...
Este levantamento, protagonizado por Ansumane Mané e sustentado pelo ambiente de descontentamento existente nas Forças Armadas da Guiné-Bissau teve, naturalmente, consequências. Uma das quais foi a sua própria destituição no cargo de Chefe de Estado Maior General das FAs semanas antes.
So far no news...
Sendo certo que em África enraizou-se um certo "direito costumeiro" que determina que quando o aparelho de poder selecciona "alguém" indesejado para ser abatido, neste caso na sequência duma demissão (de Mané), cabe ao próprio Presidente da República inventar uma viagem oficial ao exterior para que o trabalhinho sujo seja feito no decurso da sua ausência -, porque assim se entende(u) que a probabilidade de levantar suspeitas sobre o PR é menor...
Desta vez, não houve viagem ao exterior e foi o próprio Nino Vieira que acabou como tantos líderes militares e tribais em África - que fazem da lei da selva um modus vivendi e um método de afirmação política quando não de sobrevivência física.
No fundo, certa África não mudou nada.
Com sorte, porque da crise e da desgraça pode sempre abrir-se um novo campo de oportunidades, Portugal ainda consegue dar um impulso interessante à lusofonia pondo a funcionar uma estrutura multilateral de cooperação que nunca funcionou.
Portanto, sugeria aqui a Luís Amado, nosso MNE, e aos demais titulares dos Negócios Estrangeiros dos cinco - que aproveitem a agenda da reunião e, além de determinarem medidas de reposição da ordem constitucional para a manutenção da paz no território, se defina também uma agenda mais ambiciosa de fomento de uma verdadeira e efectiva lusofonia nessa comunidade luso-falante.
Há desgraças que podem vir por bem, e a famosa CPLP, cuja formação remonta aos seus espíritos criadores, como o ex-embaixador do Brasil em Portugal - José Aparecido de Oliveira (um mineirinho) e ao meu querido e estimado amigo Agostinho da Silva - merecia um estímulo e um impulso políticos de grande envergadura para que nada ficasse na mesma em matéria de lusofonia no quadro da CPLP.
Aquelas imagens revelam, no limite, que nunca podemos estar sempre com ar severo e grave (Nino) nem podemos estar sempre a sorrir (Mané). O velho método político africano mostra que o valor da vida é tão precário quanto perene. Como, no fundo, a vida das gazelas diante dos leões. O meu consolo ainda é compreender que por cá ainda se pode morrer de morte natural...
Mas nem sempre. Na Rússia de Putin, que já é Ocidente (meio oriental), como sabemos, o método do tiro certeiro e do evenenamento ainda fazem a sua carreira com um sucesso trágico.
Em rigor, o mundo mudou muito pouco...

Depois do assassinato do Presidente guineense os militares comprometeram-se a respeitar a Constituição Nacional. O homicídio de Nino Vieira é atribuído por fontes locais a militares descontentes, ligados a Ansumane Mané e Veríssimo Seabra, dois chefes de Estado Maior General das Forças Armadas, também eles assassinados em circunstâncias diferentes.

A casa do Presidente guineense foi atacada na madrugada desta segunda-feira por militares das Forças Armadas, poucas horas após o Chefe de Estado-Maior, Tagmé Na Waié, ter morrido num atentado à bomba, em Bissau. Sete dias de luto nacional foram decretados.

Um porta voz do exército garante que a situação está sob controlo. No entanto, ainda nada foi dito sobre a concretização da via constitucional para resolver o vazio de poder instaurado. Segundo a Carta Magna a ocupação interina da chefia do Estado, por um período de 60 dias, deverá ser assegurada pelo actual presidente da Assembleia Naccional Popular, Raimundo Pereira.

A Guiné-Bissau tornou-se um importante ponto de passagem da droga da América Latina para a Europa. Os interesses em torno do tráfico podem ter exacerbado tensões que certamente irão influenciar o futuro do país.