terça-feira

O dia seguinte - por Francisco Sarsfield Cabral -

O sublinhado é nosso.
O dia seguinte, in Público 3 Nov.
Quem amanhã for eleito presidente dos Estados Unidos vai enfrentar uma situação tremendamente difícil. Quando, no dia seguinte às eleições, o vencedor se der conta do que o espera, a sua satisfação ficará ensombrada.
Durante os dois mandatos de Bush filho os Estados Unidos perderam poder e credibilidade. Nasceu nos EUA a mais séria crise financeira desde há 70 anos, da qual resultará uma recessão internacional. Os EUA tornaram-se o maior devedor mundial. A sua dívida externa passou de 21% do PIB em 1980 para 116% em 2007. Uma posição insustentável, obrigando agora os americanos a cortarem no consumo, que não pode ser indefinidamente financiado pelas poupanças asiáticas.
uma enorme insatisfação da classe média americana, que desde há décadas vê os seus rendimentos estagnarem, ou subirem pouco – enquanto os mais ricos ganham crescentes somas fabulosas. Ora, com uma economia em recessão, não será fácil responder à revolta da classe média, o que exigiria um segundo New Deal, aumentando a protecção social. Obama gostaria de ir por aí, mas já prometeu muita coisa que não poderá cumprir se for eleito, como dar seguros de saúde aos 40 milhões de americanos que os não têm.
No plano militar, apesar das melhorias recentes as coisas correram mal no Iraque e não estão a correr bem no Afeganistão. Os EUA são, de longe, a maior potência militar do mundo e assim continuarão no futuro previsível. Mas tornaram-se evidentes os limites do seu poder. Daí ser improvável Washington voltar nos próximos tempos a envolver-se em operações militares no estrangeiro.
Politicamente os EUA perderam a simpatia de muitos países, incluindo de aliados, com as suas políticas unilaterais e de desprezo pelo direito internacional. Claro que uma super-potência não vive de simpatias – mas, quando os EUA descobrem, como já descobriram, que afinal precisam da colaboração política, económica e militar de outros países, não lhes dá jeito um ambiente de hostilidade internacional.
Enquanto campeões da democracia e dos direitos humanos, os EUA também perderam influência. Abu Grahib, Guantánamo, a tortura, a ausência de direitos dos suspeitos de terrorismo, etc., tudo isso minou a credibilidade moral de Washington, oferecendo aos terroristas um êxito que deveria ter sido evitado.
A vitória, provável mas não certa, de Obama levará a fechar Guantánamo e a proibir a tortura. Ainda bem. E essa vitória será recebida favoravelmente fora dos EUA e facilitará o renascimento do indispensável multilateralismo.
Mas nem tudo serão rosas. Por um lado, é duvidoso que Obama consiga uma maior contribuição europeia para a guerra do Afeganistão. Por outro, tudo aponta para que a América se vire para dentro, isolando-se do exterior. Ora a liderança americana é indispensável, porque não existe outra no mundo. Sem o empenhamento dos EUA não haverá reforma do sistema financeiro nem das instituições internacionais.
Entretanto, a crise financeira e económica alargou perigosamente o défice das contas federais – fala-se em 7% do PIB para 2009. Daí que se multipliquem as pressões para os militares americanos saírem depressa do Iraque e até do Afeganistão. Porventura depressa demais.
Internamente, nenhum dos dois principais candidatos preparou os americanos para os sacrifícios que terão de fazer de modo a equilibrar a economia. Assim, a tendência isolacionista irá manifestar-se na economia com mais proteccionismo. Será a resposta fácil, mas errada, à frustração dos desempregados e dos que perdem poder de compra. Podemos não estar longe de ver repetida a cavalgada proteccionista dos anos 30, durante a Grande Depressão, que só veio agravar a crise.
Se for eleito, Obama cairá provavelmente na tentação proteccionista. Primeiro, porque nunca foi um defensor do comércio livre. Depois, porque, não podendo corresponder às grandes expectativas que criou na maioria dos americanos, o proteccionismo lhe surgirá como um recurso expedito para mostrar que faz alguma coisa. Acresce que a maioria democrática no Congresso, que amanhã deverá ser reforçada, tende para posições proteccionistas. Se assim acontecer, irão por água abaixo as grandes esperanças criadas por Obama fora dos EUA, sobretudo na Europa. E, a prazo, o bem-estar dos americanos ficará a perder.
Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: Quer Obama quer McCain estão confrontados em meter a América e os americanos dentro do Golden Straitjacket. E aqui - duas coisas tendem a acontecer: a economia cresce e a política encolhe. Se a economia norte-americana não fizer o take-of o mundo perde e o caldo de estagnação arrasta-se, se crescer o mundo ganha. Esperemos que esse crescimento seja acompanhado por Obama na Sala Oval. Por todas as razões possíveis e imaginárias, até pelas questões de estilo - que aqui são demasiado importantes.
Já agora, dê-se também os parabéns ao Francisco por este cartesiano e lúcido artigo. Ele reflecte uma dinâmica do poder impressionante: antes de se ter o Poder pensa-se que ele faz milagres; quando se assume os comandos do poder - fica-se manietado pela inércia da engrenagem - presente na vastidão dos poderes - a montante e a jusante. É a vida.