A hiper-realidade e o hiper-tempo
A velocidade com que hoje tomamos decisões e montamos e desmontamos a realidade é alucinante. A realidade subjugou-se a um novo conceito, a hiper-realidade e o tempo encontrou sucedâneo no hiper-tempo, uma espécie de nova categoria de "religião" que hoje nos guia a todos na vida pessoal, profissional e social. Por isso estamos viciados na velocidade, i.é, encaramos o tempo e a realidade de modo diverso, o que nos leva a contracções terríveis naqueles domínios (pessoais e institucionais). Mas isto tem razões. Nas tecnologias, no capital e no modo simbólico de produzir e distribuir bens e serviços - por vezes simulados - com que hoje todos nos relacionamos. Vamos por partes. Estando viciado em velocidade a nova sociedade funciona também em tempo real. O que dantes demorava um, dois, três anos a adquirir hoje consegue-se na hora. Licenças camarárias, por exemplo, são expressão dessa novel realidade administrativa - que hoje aparece mais rápida e simplificada. A digitalização da informação permitiu muita coisa, ao desestruturar todo o referencial administrativo anterior rompeu com os velhos métodos de trabalho fornecendo agora novas relações acerca do que é verdadeiro e falso, do que é legal e ilegal, possível e impossível. Mas se neste caso da simplificação administrativa o tempo opera como um activo, já no caso da economia (macro) dos preços (em contexto de globalização predatória, como lhe chama R. Falk) - que são definidos ao minuto, as empresas são obrigadas a competir em rapidez para desenvolver, fabricar e colocar produtos e serviços no mercado em tempo real. É como se toda a sociedade estivesse ligada ao satélite e todos tivessem que operar nessa base. É alucinante. É como se uma estação de TV cobrisse uma guerra e estivesse a reportar os seus danos colaterais em directo. É dar a possibilidade aos pais, familiares e amigos das pessoas que foram para a guerra de assistirem à sua morte em directo. Este exemplo limite - quase sem grandes mediações de tempo - é o que aqui designamos de hiper-tempo e hiper-realidade. Mas o problema em todo este processo coloca-se no plano do novo quadro de valores que temos que ter para não ficar perdidos nesse deserto do hiper-tempo. Se, por um lado, a rapidez com que transacionamos produtos e serviços é útil por outro, essa mesma lógica radicaliza-se e acaba por se virar contra nós. Ou seja, dantes a ameaça vinha do real, era identificada a sua origem e actores, a economia e as pessoas tinham tempo de adaptação para se conformar com as inovações. Hoje, ao invés, a ameaças vêm de todos os lados: da simulação, da dissimulação das relações pessoais e institucionais - que desintegram todas as velhas contradições, eliminado os velhos referenciais. E como não temos novos guias fica-se no escuro da decisão política e empresarial. É aqui que perdemos todos, apesar do mundo ser mais veloz. Numa palavra, hoje já não brincamos ao real, todas as brincadeiras se desintegram na simulação de jogos mais ou menos manhosos volatilizados por signos, simbolos e modus de conduta artificais que - nos planos político, social, económico e até pessoal - artificializam todo o quadro da relação do homem em sociedade. Hoje ao simularmos, já nem sabemos que o estamos a fazer, e esse é um dos grandes dramas do nosso tempo, essa é uma das razões de histeria (individual) e colectiva que nos tolhe a todos. Talvez por isso quando nos perguntam as horas, devemos responder que é tarde...
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