segunda-feira

Surpresas económicas - por Francisco Sarsfield Cabral -

O sublinhado é nosso.
Surpresas económicas, in Público
A vida é imprevisível, felizmente, embora nem sempre sejam boas as surpresas que traz. Na vida económica a imprevisibilidade é uma constante, por muito que os economistas julguem ter descoberto os segredos do seu funcionamento.
Há um par de anos era impensável uma crise financeira tão grave como a actual, com raízes no mercado de dívidas e não no de acções. E com o Estado a intervir em força para salvar bancos e empresas.
Muito crédito foi concedido de maneira irresponsável, disfarçada pela titularização das dívidas em produtos tão complexos que poucos os percebiam. Produtos na sua maioria fora do alcance dos reguladores, por decisão política. Rebentada a bolha, o crédito secou. E sem ele não há actividade económica.
É certo que há muito causava preocupação o desequilíbrio externo dos Estados Unidos. Sem poupança interna, os EUA absorviam dinheiro de todo o mundo, assim se tornando o maior devedor mundial. Mas algum dia teria de parar a orgia do crédito barato. E o célebre investidor americano Warren Buffet, que não vai em modas, tinha classificado de “armas financeiras de destruição maciça” os novos produtos financeiros. Poucos o ouviram.
A crise foi uma surpresa. Mais uma. Nos anos 60, os economistas de inspiração keynesiana que orientaram as políticas de Kennedy e Johnson estavam convencidos de que tinham encontrado a fórmula para controlar os ciclos económicos. Usando adequadas políticas orçamentais e monetárias, poderiam garantir a estabilidade económica.
Só que os choques petrolíferos dos anos 70 logo desacreditaram esse optimismo. Surgiu então o fenómeno novo da “estagflação”, economia estagnada com inflação alta.
Também houve boas surpresas. O milagre económico japonês tornou um país sem recursos naturais significativos, nomeadamente energéticos, na segunda potência industrial do mundo. Depois veio a má surpresa: no início dos anos 90 o Japão entrou numa profunda crise, de que ainda não saiu por completo.
Boa surpresa foi o prodigioso crescimento económico da China nas últimas décadas, sob um governo dito comunista. Muitas dezenas de milhões de chineses escaparam assim à miséria, engrossando uma classe média ávida de aceder ao bem-estar dos países ricos. Em grau menos espectacular, evolução semelhante se nota na Índia e no Brasil.
Na Europa, a surpresa foi a Irlanda, depois de séculos de imensa pobreza, ter alcançado uma riqueza por habitante igual ou superior à dos britânicos. A pobreza levara à emigração em massa dos irlandeses. Mas, de há uma década para cá, a Irlanda é um país de imigração.
O modelo irlandês suscitou, assim, enorme interesse. Em Portugal foi apontado como exemplo a seguir, pois permitiu que um país tradicionalmente atrasado se colocasse ao nível dos mais desenvolvidos em pouco tempo.
Mas a Irlanda foi a primeira economia da União Europeia a cair em recessão. O banco central irlandês estima para 2008 uma queda da economia de 1,4%, seguida de nova descida no próximo ano, de 1,3%. Na base desta contracção está o rebentamento de uma bolha imobiliária. Mesmo descontando a inflação, entre 1992 e 2006 as casas na Irlanda triplicaram de preço. Depois, como era inevitável, a tendência inverteu-se e as habitações perderam já 18% do seu valor.
A crise do sector imobiliário, incluindo a construção, arrastou o resto da economia irlandesa para a recessão. Paralelamente, as exportações da Irlanda perderam competitividade, além de que nos seus principais mercados compradores (Grã-Bretanha e EUA) a procura baixou.
Assim, o milagre irlandês já não brilha como antes. É hoje claro que o sistema fiscal favoreceu exageradamente o sector imobiliário, contribuindo para a bolha. E que o salto económico que a Irlanda deu deixou de fora os estratos mais pobres da população.
Toda estas surpresas, boas e más, convidam à humildade. Apesar das montanhas de livros sobre o desenvolvimento económico, este permanece no essencial um mistério. O que aconselha também a moderar entusiasmos na adopção de fórmulas que resultaram noutros países e em determinadas circunstâncias, dificilmente transponíveis para Portugal.
Mas esta imprevisibilidade também envolve uma esperança: pode ser que, um dia, a roleta da sorte económica nos beneficie. No fundo, sem sabermos bem porquê. É, concedo, uma esperança débil. Mas não vislumbro outra.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Publique-se.
O Francisco é um homem de economia mas também aqui revelou ser um homem de fé, passando a história económica do séc. XX em revista. Reclamando esperança para o futuro.
A Economia, como a generalidade das Ciências Sociais, é uma "ciência do às vezes", logo incerta e contingente. Por vezes acerta. Sobretudo, quando as decisões dos políticos se enganam, posto que o erro - como diria Vergílio Fereira - é uma verdade a aguardar vez.
Mas hoje nada nem ninguém estão a salvo, nem os domínios cobertos pelas chamadas ciências duras - que vivem na geometria do cálculo e das certezas do abismo que, em última instância, estão nas mãos dos políticos. Que são homens falíveis como o próprio Papa, logo nada debaixo dos céus é certo.
Aliás, ainda a semana a passada constamos aqui que nenhum livro de Economia ou de Ciência Política explica tão bem a crise financeira global, com epicentro nos EUA e no subprime, como a própria Bíblia, quando numa das passagens, afirma:

Voltei-me e vi que, debaixo do sol, a corrida não é para os ágeis, nem a batalha para os bravos, nem o pão para os prudentes, nem a riqueza para os inteligentes, nem o favor para os sábios: todos estão à mercê das circunstâncias e da sorte. (link)