quarta-feira

O Tribunal de Contas de Guilherme d' Oliveira Martins

Começo por referir que o dr. Guilherme d'Oliveira Martins alia o estatuto de intelectual à do político, coisa rara em Portugal. Tem, pois, um CV impressionante apesar de nunca me ter impressionado em termos políticos. Aliás, devo sublinhar que aprecio mais ouvir Oliveira Martins dissertar sobre literatura, sobre Eça ou Camilo do que própriamente vê-lo a fazer política, onde nunca teve um traço de inovação, criatividade seguindo sempre as regrasinhas by the book como um verdadeiro burocrata.
Guilherme d’Oliveira Martins é licenciado (1974) e mestre (1981) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Advogado, exerceu a docência universitária, foi assistente da Faculdade de Direito de Lisboa, de 1977 a 1985, e professor da Universidade Internacional, nas áreas do Direito Financeiro e do Direito da Economia (1987/1995). Foi Chefe de Gabinete do Ministro das Finanças (1979) e consultor jurídico dos Ministérios do Comércio e das Finanças (1975/1986).
Foi dirigente da JSD e do PPD/PSD, tendo abandonado o partido em Abril de 1979. Dirigente da ASDI. Deputado à Assembleia da República pelo PS nas II (Santarém), III (Lisboa), VI, VII e VIII (Porto) legislaturas. Exerceu as funções de Secretário de Estado da Administração Educativa (1995-1999). Consultor da Casa Civil do Presidente da República Mário Soares (1986/1991), membro da Comissão Política do MASP (1985-6 e 1991), porta-voz do MASP (1991) e porta-voz do grupo parlamentar do PS para as questões da Educação (VI legislatura). Exerceu as funções de Presidente do Conselho Coordenador da SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (1985/1995), de Vice-Presidente da Comissão Nacional da UNESCO (1988/1994). Foi membro do Conselho Nacional da Educação, até 1995.
Por esta súmula de funções se vê o enriquecimento de tal trajectória política que, creio, deveria comportar uma visão estratégica da excepcionalidade dos problemas da capital, que se arrastam perigosamente. Seja pela dimensão do passivo, seja pelo número de credores "pendurados" em resultado da gestão ruinosa ao tempo de Santana e Carmona. Não se tratando, pois, de abrir um precedente para a capital (discriminando-a positivamente em detrimento de outras autarquias), mas de compreender que da sua não resolução é o problema do País que também se agrava.
Paralelamente, Vital Moreira diz que tribunal ultrapassou competências ao chumbar pedido de empréstimo de 360 milhões. Jurista, que redigiu o parecer, diz quais são as alternativas do presidente da câmara de Lisboa.
MAIS:
O constitucionalista Vital Moreira, autor do parecer que fundamentou o pedido de empréstimo da Câmara Municipal de Lisboa chumbado terça-feira pelo Tribunal de Contas, considerou a decisão «errada» e criticou este órgão judicial por ultrapassar as suas competências.
«O Tribunal de Contas (TC) é incompetente para apreciar o mérito do Plano de Saneamento Financeiro do município e, por isso, errou na decisão», declarou o especialista à Agência Lusa.
O TC recusou o pedido de empréstimo de 360 milhões de euros, alegando insuficiência e falta de sustentabilidade do Plano de Saneamento Financeiro da autarquia, mas para o constitucionalista a sua intervenção deveria limitar-se a «um puro controlo da legalidade».
O pedido de empréstimo foi feito ao abrigo do artigo 40º da Lei das Finanças Locais que contempla a situação de desequilíbrio financeiro conjuntural, sem que os empréstimos contraídos contem para o endividamento líquido da autarquia.
Segundo Vital Moreira, o que o TC deveria ter feito era «verificar se o empréstimo tinha a ver com a consolidação de dívidas aos fornecedores nos prazos previstos na lei ou se os pressupostos eram correctos».
O TC foi além disto, criticou, «e resolveu escrutinar um Plano que foi aprovado pela Assembleia Municipal e sobre o qual não se deveria pronunciar, pois trata-se de uma apreciação política».
«O Tribunal vai ao ponto de sugerir que o Plano devia conter um orçamento até 2012», acrescentou o também professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Para o constitucionalista, esta ultrapassagem dos limites do poder jurisdicional do tribunal «põe em causa a separação dos poderes político e judicial».
«O TC chumbou o empréstimo não porque viola a lei, porque não corresponde aos requisitos ou porque os pressupostos não fossem os correctos, mas porque entendeu que o Plano de Saneamento Financeiro não é bom».
É uma decisão «errada e inesperada» que vem criar «dificuldades desnecessárias e indevidas» à autarquia e aos fornecedores, resumiu o professor, salientando que «não é um bom caminho para o TC».
Questionado sobre os cenários se colocam agora à autarquia, Vital Moreira explicou que a decisão do TC é passível de recurso, mas que a câmara poderá também optar por acatar as exigências deste órgão e submeter um novo Plano de Saneamento Financeiro. Outra opção será abandonar a ideia do empréstimo e recorrer ao artigo 41º da Lei das Finanças Locais que permite acordar com o Governo um plano de reequilíbrio financeiro.
Já o fiscalista Saldanha Sanches considera que a negociação política em torno do empréstimo a contrair pela câmara de Lisboa prejudicou a qualidade técnica do Plano de Saneamento Financeiro. «O plano foi aprovado depois de uma intensa negociação política, o que não costuma ser muito bom para a qualidade técnica dos planos», disse à agência Lusa Saldanha Sanches.
Saldanha Sanches, que foi mandatário financeiro da campanha eleitoral de António Costa à presidência da CML, sublinhou que o TC tem uma função «de exigência, de tentar que as instituições sejam geridas com eficiência, rigor e transparência», afirmando que não conhece em detalhe o acórdão do TC para aferir se essa exigência foi bem ou mal aplicada no caso concreto da autarquia lisboeta.
Lei das Finanças Locais, da responsabilidade de Costa, «chegou demasiado tarde».
Para o fiscalista, o «problema principal é que a câmara está numa situação insolúvel» porque a Lei das Finanças Locais, da responsabilidade de António Costa enquanto ministro de Estado e da Administração Interna, «chegou demasiado tarde».
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Obs: Após ler os mestres em direito fiscal até um leigo como eu conclui que o TC - numa lógica de inversão de papéis, parece querer substituir-se aos órgãos políticos de natureza autárquica, e porque o plano de saneamento não era técnicamente sustentável - o TC conclui que o plano não é bom.
É óbvio que isto suscita uma leitura mais política do que tecno-jurídica, dado que neste contexto tudo é politizável, até uma apreciação técnica e de legalidade acerca de um plano de saneamento financeiro por parte do TC.
Desta feita, é legítimo perguntar-mo-nos por que razão tal sucede, sobretudo nesta fase em que o pedido de empréstimo já tramitava a reta final e, assim, a CML poderia honrar os seus compromissos junto dos credores, recuperar alguma da credibilidade perdida do passado recente e conferir mais racionalidade e confiança política à governabilidade da capital, agora abalada pelas inundações recentes - que irão exigir um Plano de drenagem que rondará os 200 ME.
Porque razão isto ocorreu assim e não doutra forma, i.é, com o common sense a que o actual presidente do TC já nos habituou?!
A resposta só pode ser política, e é nessa base que aqui exploro esse filão. O TC pretendeu uma troika de objectivos com esta demonstração de força:
1. Demonstrar - diante o País - que é não só o zelador-mor das contas e da legalidade delas, mas também o aferidor e certificador da qualidade dos planos de saneamento financeiro;
2. Quis também passar um atestado de incompetência tecnico-jurídica aos autores do plano e fazer valer a sua decisão, que deverá impôr-se como doutrina régia;
3. E, em terceiro lugar, o dr. Oliveira Martins quis também espelhar um excesso de zelo ao demarcar-se do próprio PS, sendo ele também um distinto militante do Largo do Rato.
Estas três razões foram, a meu ver, os pilares que alicerçaram a decisão do TC.
Mas podemos ainda fazer uma leitura co-extensiva da mesma decisão do TC, atribuindo à suprema autoridade do controlo e da legalidade das contas públicas um outro raciocínio. Que se funda em evitar a destruição do Estado por recurso a verbas com um baixo juro de dívida junto da CGD, visto que o Estado - à luz dassas lentes queirosianas de Guilherme d' Oliveira Martins - que ainda por cima tem uma costela de historiador distinto, entende que o Estado não deve andar por aí a sustentar as autarquias, quaisquer que elas sejam, pelo que o que o TC tem (e deve) fazer é, tão só, ostentar a soberania das suas normas superiores e a soberania dos seus regulamentos neste admirável mundo novo.
Por outro lado, a elite decisora que actualmente manda no TC também deve estar imbuída de um sentimento dos deveres do cidadão para com a cidade, que todo o pobre admitido seria forçado a uma considerável soma de trabalho voluntário, segundo as suas aptidões.
Nesta conformidade contabilística de tesoureiro de clube recreativo - o TC tem, creio, uma preocupação-mor, é que Oliveira Martins, porventura ainda parado no séc. XIX, desconhecendo o que se passa em Lisboa no séc. XXI, está animado da ideia de que os grupos de pobres de Lisboa sejam forçados a calçar as ruas da capital, colocar as canalizações de gás nas habitações da cidade, limpar os monumentos públicos sujos pelos dejectos dos pombos e pombas, etc, etc...
Diria, para concluir, que o actual presidente do TC chumbou este plano para sanear o passivo da autarquia da capital porque pretende duas coisas simples:
1. Obrigar a CML a comportar mais despesa sem que, neste momento, consiga gerar receita dado o passivo herdado;
2. Aliviar o Estado (ou seja, a sociedade) de uma grande parte de gastos da República.
Se assim for, o dr. Guilherme afigura-se ao País como o principal aliado do engº Sócrates e o principal oponente do dr. António Costa. Embora o mais curioso é que hoje nenhum português médio acredita nisso, salvo, naturalmente, a dupla que gerou o passivo - Santana & Carmona - e que hoje é bem capaz de se estar a rir das desgraças que eles próprios criaram e a que do dr. Gulherme d' Oliveira Martins, com tamanho cv, também não soube responder nem estar à altura que as circunstâncias (excepcionais) exigem.
E é pena, porque assim todos perdem...