segunda-feira

Sinais de mudança - por Francisco Sarsfield Cabral -

O sublinhado é nosso
Sinais de mudança, in Público
“Teixeira dos Santos coloca o país em pânico com o anúncio do fim da crise!” – titulava o Inimigo Público do passado dia 11. A sátira faz sentido. O ministro voltara a anunciar que o défice orçamental de 2007 ficaria abaixo de 3 % do PIB e que este teria aumentado mais do que o previsto (uma décima). Antes, na mensagem de Natal, o primeiro-ministro traçara um panorama económico optimista.
Ora as pessoas sentem crescentes dificuldades: as famílias, altamente endividadas, pagam juros mais altos; o desemprego não baixa; o petróleo e os bens alimentares sobem de preço; a economia portuguesa é a que menos cresce na União Europeia; abranda o crescimento da economia espanhola (do qual dependemos), a recessão americana está aí, etc. Há quem lembre que Santana Lopes, primeiro-ministro, proclamou o fim da crise quando esta se agudizava.
Por isso os portugueses desconfiam das mensagens optimistas dos governantes, sobretudo quando sugerem que o tempo dos sacrifícios já passou, tendo chegado a altura de recolher os frutos do esforço. A pouco mais de um ano de eleições, tornam-se contraproducentes os discursos “para animar a malta”.
Entretanto, oposições e comentadores (além dos dados do INE e do Banco de Portugal...) desmentem o irrealismo do Governo, mas fazem-no geralmente numa perspectiva imediatista – quando os verdadeiros problemas da nossa economia são estruturais, não conjunturais. Pouco se fala em alguns progressos ainda insuficientes, mas de sentido certo, na transformação da estrutura económica nacional. No meio de tantos factos e números deprimentes, há sinais de esperança, porque indiciam mudanças de fundo.
O primeiro sinal é a redução do défice orçamental, sem paralelo na Europa dos últimos anos pela sua dimensão e pela rapidez com que foi realizada, num contexto de fraco crescimento económico. Muito menos tem comparação com os resultados obtidos por governos anteriores. Ora o desequilíbrio das finanças públicas é um problema endémico da democracia portuguesa, antes e depois do Estado Novo.
Claro que o défice estrutural das contas do Estado apenas será superado quando a despesa pública descer mais em percentagem do PIB. Mas, se as tentações eleitoralistas não prevalecerem, poderá avançar-se na incipiente reforma da Administração Pública, contribuindo para a melhoria da produtividade em Portugal. E da produtividade depende, ao fim e ao cabo, o nível de vida dos portugueses.
O segundo sinal positivo quanto à mudança de fundo na economia nacional está em que a produtividade já aumentou nas empresas. O que reflecte “não apenas a reorientação do tecido produtivo para actividades com maior conteúdo tecnológico, como também a reafectação do emprego de forma mais eficiente no âmbito dos processos de reestruturação interna das empresas e o aumento da taxa de utilização da capacidade produtiva” (Boletim Económico de Inverno do Banco de Portugal).
Esta mudança tem um preço: desemprego. Leva tempo passar de uma estrutura produtiva e exportadora assente na mão-de-obra barata para actividades de maior valor acrescentado, requerendo menos trabalhadores. E criar mais empregos nessa transição. Recordem-se as altíssimas taxas de desemprego em Espanha há uns anos atrás.
Aliás, o emprego cresceu em 2007. O desemprego aumentou porque há mais gente no mercado de trabalho: mais mulheres e pessoas a trabalharem até mais tarde (traduzindo, em parte, as dificuldades financeiras das famílias).
O terceiro, e porventura mais importante, sinal positivo de fundo é o comportamento das exportações de bens e serviços. Em 2007 terão aumentado 7 % e recuperado quotas de mercado, num quadro de crescente concorrência no mercado global, onde os salários baixos já não são um trunfo competitivo para Portugal. A actual desaceleração do crescimento das exportações, que se manterá ao longo do ano, decorre da menor expansão da economia europeia e não põe em causa o essencial.
E o essencial está no peso crescente das exportações de maior conteúdo tecnológico, mérito das empresas. E não apenas na exportação de mercadorias: as exportações de serviços fornecidos a empresas já equivalem, em valor, à exportação de vestuário e representam o dobro da exportação da calçado. No meio das dificuldades e incertezas do presente, há sinais de que podemos melhorar.
Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: O Francisco faz aqui um eficiente retrato à economia portuguesa. A 1ªfase da fotografia é tão deprimente quanto pessimista; a 2ª é mais animadora e alicerça-se em três grandes factores de mudança que a ajudam a explicar (redução do défice, reforma a A. Pública e requalificação do sector exportador). Resta saber se essa mudança é apenas uma tendência passageira, ou uma tendência mais estruturante no modo e no tempo tão necessárias à nossa vida colectiva e às estruturas de produção e distribuição nacionais.