quinta-feira

O regresso de Eduardo Ferro Rodrigues não podia ter sido pior

O regresso de Ferro Rodrigues, ex-Secretário-Geral do PS e então candidato a PM, não poderia ter sido pior. Hoje acusa o governo de arrogante e de falta de humildade (o que até é uma redundância) numa entrevista que dá à revista Visão - cujo fragmento ouvi na TSF. Soares em tempos também comungou dessa crítica, mas Soares é Soares. Ferro não deveria ter esse posicionamento por um conjunto de razões, cheira a vendetta barata e a alguma inversão de papéis: Ferro não deveria cometer a injustiça e o erro político de supôr que o governo é o aparelho de Justiça, pois o governo não julga, só governa, e às vezes também governa mal. A Saúde é um desses exemplos que, esperemos, o seu titular seja agora remodelado.

Todos sabemos o que lhe sucedeu em termos de imagem pública em 2004: uma catástrofe, pois quando um indivíduo é acusado do pior dos crimes, ainda que inocente, e sobretudo se for político dada a maior exposição mediática que inevitavelmente tem, fica desorientado, tolhido, é um cérebro sem rei nem roque. É um homem à deriva numa imensa cidade sem nome de ruas, por isso corre em todas as direcções e não sai do mesmo sítio. Alguém ser acusado de pedofilia, ao invés de esbulhar um perfume, um livro ou até assaltar um banco, remete o nosso imaginário para coisas distintas, estereótipos diferentes com sanções e censuras sociais e morais também muito diferenciadas entre si.

Pois mesmo que a Justiça - que é uma desgraça em Portugal, e um dos piores problemas do País, venha amanhã a absolver completamente Ferro Rodrigues das alegadas práticas de pedofilia e das calúnias associadas - ele nunca será o mesmo homem. Nele ficará sempre aquele estigma que nenhuma sentença judicial lhe poupará. É injusto mas é assim.

Acresce que, do ponto de vista político, Ferro incompatibilizou-se com quase todos os seus amigos políticos, o que o fragilizou ainda mais. Ferrou queria a convocação de eleições antecipadas por parte do PR, Sampaio (seu amigo pessoal), na sequência da fuga de Durão para Bruxelas, e Sampaio negou-lhe essa reclamação política. Incompatibilizaram-se.

No plano partidário, Ferro Rodrigues sempre foi um agente político fraco: na comunicação, na estruturação política, na liderança, na imagem e na telegenia. Nada nele passava em TV, e quer os apoiantes, quer a sociedade no seu conjunto via nele um líder a prazo - que imperava substituir por forma a que o PS regressasse de novo ao poder. Socas foi essa saída, para surpresa de muitos, revelando-se.

Depois foi o que sabemos: um espectáculo negro - com o regresso de Paulo Pedroso à mistura - temperado com aquele assalto à Assembleia da República - que adensou ainda mais o problema no plano político, judicial e até pessoal. Contudo, as acusações sobre eles nunca se desvaneceram, a máquina judicial, por outro lado, também nunca os conseguiu absolver e gerou-se um impasse altamente destrutivo para todas as pessoas acusadas desse crime hediondo que é a pedofilia.

Entretanto, o País assumiu outro rumo político: Durão em Bruxelas, Socas à frente do PS e sentado no cadeirão de S. Bento, e a Ferro só lhe restou o exílio dourado: ser embaixador da OCDE - para onde em tempos também foi Basílio Horta do cds - que hoje finge que trabalha à frente da Agência Portuguesa de Investimento (API).

Numa palavra: Ferro Rodrigues deveria regressar ao burgo e solicitar ao aparelho judicial que envidasse os maiores esforços para acelerar o processo de investigação em curso e conseguisse obter uma sentença ou uma absolvição irrefutável para, desse modo, limpar a face de tais acusações - que mexem com o seu bom nome, a família, os amigos e estragam todo o ambiente pessoal e social a qualquer pessoa. Mas Ferro fez tudo ao contrário nesse seu problemático regresso. Regressa ainda com mais azedume do que quando partiu para o exílio de Paris, e confunde o governo com o aparelho judicial. Tamanho erro.

Ninguém hoje vê Ferro Rodrigues a fazer política partidária, por isso não se compreende como é que ele em vez de se concentrar no essencial - a sua absolvição e o seu bom nome - passa ao ataque do seu próprio partido - que, em rigor, não é responsável pelos alegados actos que a Justiça ainda faz impender sobre ele. Ferro Rodrigues agora virou analista político, nestas circunstâncias é altamente problemático..., para não dizer ridículo e idiota. Será mais uma fuga para a frente!?

Isto comprova duas coisas no perfil político do ex-Secretáro-Geral do PS: a falta de vocação de Ferro para as lides políticas; 2) e a tremenda dificuldade que ele - ou qualquer outra pessoa tem - em defender-se de tão hediondo crime, ainda que as pessoas visadas estejam inocentes.

O problema é que à mulher de César não basta parecê-lo... Tudo isto porque em Portugal a Justiça é miserável, lenta e pouco fiável. Razões de sobre para que possamos defender que a Justiça, em inúmeros casos, deveria ser quem deveria sentar-se no banco dos réus.

Mas ao ouvir aquelas surpreendentes declarações de Ferro Rodrigues, fiquei com a sensação que ele quer ajustar contas políticas com Sócrates por ter perdido a liderança do PS, supondo Ferro que o actual PM é o Juíz responsável pelo seu processo no caso da Casa Pia que, infelizmente, o envolve. O que não deixa de ser um absurdo, além de perigoso.
Ou seja, mesmo quando Ferro Rodrigues está fora da política activa só faz "bem" uma coisa: dá tiros nos pés. É uma espécie de Santana do PS sem, obviamente, esta névoa que se abateu sobre aquele e que, espero, seja o mais rapidamente esclarecida em Portugal - para bem de todos.

Porque quando a Justiça tarda, não se trata de justiça, mas dum crime que não pode morrer solteiro em Portugal.

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[...] cit. in blog Claro - por José Mateus -

Ferro reconhece agora, nesta entrevista, que a sua posição política e as suas propostas como secretário-geral do PS não tinham fundamento e não faziam sentido. Por exemplo, em relação à questão do défice e do ridículo (sampaísta) “há vida para além do défice”… E que é a posição deste governo que está certa e a única que pode salvar o actual modelo social e o País. Claro, depois de reconhecer isto, Ferro tinha de “compensar”. E fê-lo com a estória da “falta de humilde” do governo Sócrates… Todos sabemos, aliás, sobretudo quem o conhece desde os tempos de ”Económicas”, que Ferro é exemplar nesta questão da humildade política! Ainda anda por aí alguma gente que pode escrever “tratados” sobre essa “humildade” de Ferro Rodrigues… Tal como dos tempos do MES! Perguntem a Sampaio...