A importância de a América eleger Barack Obama para a sala Oval
Transcrevemos aqui uma passagem que, a meu ver, ilustra bem quem é este homem, Barack Obama, candidato (negro) à Casa Branca pelo Partido Democrata.
[...] As baixas expectativas libertavam-me de preocupações, vários apoios providenciais deram novo fôlego à minha credibilidade e atirei-me à corrida com uma energia e alegria que pensava já ter perdido. Contratei quatro ajudantes, todos na casa dos vinte, início dos trinta, inteligentes e convenientemente baratos. Arranjámos um pequeno gabinete, fizémos o nosso papel timbrado, instalámos linhas de telefone e vários computadores. Passei quatro ou cinco horas do dia a telefonar aos principais doadores democratas e a tentar que me voltassem a ligar. Dei conferências de imprensa a que ninguém compareceu. Inscrevemo-nos na parada anual do Dia de São Patrício e ficámos no último lugar disponível, de modo que eu e os dez voluntários acabámos a desfilar meia dúzia de passos à frente dos camiões de limpeza das ruas, a acenar aos poucos retardatários que tinham ficado pelo caminho, enquanto os trabalhadores da limpeza varriam o lixo e arrancavam os autocolantes com trevos verdes dos postes.
- A maior parte do tempo, no entanto, andei a viajar, muitas vezes sózinho, de carro, primeiro de bairro em bairro, depois de condado em em condado e de cidade em cidade, até chegar ao extremo do estado, ao cabo de quilómetros e quilómetros de campos de milho e de feijão, vias férreas e silos. O processo não foi muito eficaz. Sem a máquina organizativa do Partido Democrata a nível estadual, sem uma verdadeira lista de contactos ou operações na Internet, só podia contar com amigos ou desconhecidos, para que disponibilizassem as suas casas a quem quer que aparecesse, ou para organizar visitas às suas igrejas, delegações sindicais, grupos de brídege ou grupos rotários. Por vezes, ao fim de horas ao volante, dava com duas ou três pessoas à minha espera, à volta de uma mesa de cozinha. Tinha de explicar aos anfitriões que o quórum era bom e agradecer-lhes pelo beberete que tivessem preparado. Ocasionalmente, ficava num serviço religioso e os pastor esquecia-se de mim, ou o delegado do sindicato local deixava-me falar com os membros, pouco antes de me anunciar que o sindicato decidira apoiar outro candidato.
- No entanto, estivesse eu com duas pessoas ou cinquenta, numa das magníficas casas com belas sombras da costa norte, num apartamento sem elevador no West Side, ou numa quinta nos arredores de Bloomington, fossem as pessoas amigáveis, indiferentes ou ocasionalmente hostis, tentei dar o meu melhor, ficando calado e ouvindo o que tinham a dizer. Ouvi as pessoas falarem sobre os seus empregos, os seus negócios, a escola local; a raiva que sentiam por Bush e pelos democratas; os seus cães, a dor nas costas, o tempo na guerra e as recordações de infância. Algumas delas tinham teorias bem desenvolvidas sobre o fim dos empregos na indústria ou os elevados custos dos cuidados de saúde. Recitavam o que ouviam a Rush Limbaugh ou na National Public Radio. Mas a maior parte estava demasiado ocupada com o trabalho ou os filhos para prestar muita atenção à política e falava então de tudo o que lhe saltava à vista: a fábrica a fechar, a promoção, a conta de aquecimento elevada, o pai num lar, os primeiros passos de um filho.
- Estes meses de conversa não trouxeram quaisquer revelações extraordinárias. Se alguma coisa me marcou, foi apenas quão modestas são as esperanças destas pessoas e quão constante parece ser aquilo em que acreditam, independentemente de raças, regiões, religiões e classes sociais. A maior parte considerava que qualquer pessoa disposta a trabalhar deveria poder encontrar um emprego que lhe proporcionasse um salário suficiente para viver. Entendiam que ninguém deveria ver-se obrigado a declarar falência por causa de uma doença. Acreditavam que todas as crianças deveriam ter uma educação de qualidade. Acreditavam que todas as crianças deveriam ter uma educação de qualidade - que não deveria ser só conversa oca - e poder ir para a universidade, mesmo sem os pais ricos. Queriam segurança contra criminosos e terroristas, ar e água limpos, tempo para passar com os filhos. E, para a velhice, queriam ter a possibilidade de se reformarem com respeito e dignidade.
- Era mais ou menos isto. Não era muito. E embora compreendessem que a forma como as suas vidas iam correr dependia principalmente do seu esforço pessoal, ou seja, não esperassem que o Governo ressolvesse todos os seus problemas, e certamente não gostassem de ver esbanjado o dinheiro dos seus impostos, entendiam ainda assim que o Governo deveria dar uma ajuda.
- Disse-lhes que tinham razão: o Governo não poderia resolver todos os problemas. Mas se alterássemos ligeiramente as nossas prioridades, poderíamos garantir que todas as crianças tinham uma oportunidade decente na vida e ficavam à altura dos desafios que enfentramos enquanto nação. Não eram raros os que concordavam e queriam saber como se poderiam envolver. E quando regressava à estrada, com o mapa no lugar do pendura, a caminho da paragem seguinte, voltava a perceber porque me metera na política.
- Senti-me a trabalhar mais do que alguma vez trabalhara na vida.[...]
in Barack Obama, A Audácia da Esperança - para recuperar o sonho Americano, Casa das Letras, págs. 15 e ss.
Obs: Ao ler esta passagem de Obama dei comigo a pensar que os problemas concretos da América são comuns a Portugal ou a qualquer outra sociedade mais ou menos "desenvolvida" e "civilizada". Esta reflexão de Barack Obama leva-me ainda a pensar de como teríamos de nos mobilizar para ultrapassar as nossas divergências e divisões, que resultam da insegurança económica, afectando inúmeras famílias e empresas, insegurança psicológica potenciada pelo terrorismo global e desterritorializado, tensões de género, raciais, religiosas que afectam o corpo político das nações e ameaçam transnacionalmente os interesses comuns.
Este fragmento de Obama leva-me ainda a pensar que estamos diante um homem de carácter, determinado e com golpe de asa capaz de levar a América a um lugar onde ela nunca esteve. Deixem, pois, este negro tomar conta da República Imperial...
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