RECONHECIMENTO MERECIDO - por António Vitorino -
António Vitorino
jurista
O tema de hoje é incontornável: o Tratado de Lisboa, pois claro! Com a assinatura, em Lisboa, deste Tratado encerra-se um período de dúvida e de incerteza sobre o sentido das reformas institucionais da União Europeia, após a recusa do Tratado Constitucional nos referendos francês e holandês.
Como é característico na União o fim de um ciclo corresponde à abertura de um outro. Desde logo porque, uma vez assinado, o Tratado de Lisboa terá que ser submetido a ratificação por todos os 27 Estados membros, prevendo-se que esse processo se desenrole no período de escassos onze meses, tendo em vista a sua entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2009.
Como já se percebeu pelos primeiros tiros de aviso, o debate para já vai centrar-se na escolha do processo de ratificação, se por referendo se por via parlamentar.
Trata-se de um debate legítimo mas não se pode dizer que seja um debate europeu. Isto porque cada Estado é livre de decidir da forma por que opta ratificar o novo Tratado.
A teoria conspirativa diz que há um "pacto de sangue" entre as lideranças europeias para não levar a cabo referendos. Com a conhecida excepção da Irlanda, que a tal se encontra obrigada por imposição constitucional.
Pessoalmente não creio nessa tese. Mas veremos como as coisas se vão passar nos vinte e sete e depois tiraremos as conclusões.
Independentemente da forma de ratificação, o próximo período vai ser particularmente exigente na análise e no debate das próprias soluções de fundo que o Tratado consagra.
Com efeito, seria uma oportunidade perdida que nos esgotássemos nas possíveis controvérsias sobre a forma de ratificação, passando para segundo plano as soluções substantivas do Tratado.
Creio que o valor acrescentado do Tratado de Lisboa terá que ser aferido em função de três critérios fundamentais. Por um lado, o critério da questão do poder, isto é, do impacto que as reformas institucionais terão no equilíbrio de poderes interno à União, tanto no que diz respeito à relação entre Estados de grande dimensão e os de pequena e média dimensão como no que concerne ao protagonismo das diversas instituições (Conselho, Comissão e Parlamento).
Em segundo lugar, avaliar o valor acrescentado do Tratado de Lisboa quanto às competências que são conferidas à União, designadamente naqueles domínios onde se inova, com especial destaque para a política externa e de defesa e para as políticas de imigração e asilo e de cooperação policial e judicial.
Em terceiro lugar, a reforma dos Tratados foi iniciada por uma Declaração anexa ao Tratado de Nice, em Dezembro de 2000, com o objectivo de aproximar os cidadãos da União. E se é verdade que a proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais da União, em Estrasburgo, na passada quarta-feira, representa, sem dúvida, um elemento desta aproximação, não é menos verdade que numa importante extensão este objectivo tem nos Tratados apenas um ponto de partida mas a sua plena efectivação depende sobretudo das políticas que a União prossiga em concreto. A título de exemplo refira-se que o Tratado de Lisboa inova (quer em relação aos Tratados existentes quer em relação ao Tratado Constitucional) no domínio da política energética e da luta contra as alterações climáticas, mas como é óbvio as simples bases legais não são em si suficientes para responder aos anseios e angústias dos cidadãos neste domínio tão delicado como crucial para o nosso futuro colectivo.
O que significa também que o debate sobre o destino do Tratado de Lisboa estará intimamente associado ao ambiente económico e político que as instituições da União e os governos nacionais criarem em torno das políticas concretas a prosseguir já durante o próximo ano de 2008.
Neste momento de celebração registe-se, pois, que a presidência portuguesa cumpriu o que se lhe pedia, estando por isso de parabéns e sendo credora de um merecido reconhecimento por parte de todos os europeus.
Obs: Diria que a sorte é como aquelas boas ideias, não nascem debaixo das pedras, como diria Platão, dão muito trabalho a criar. E quanto à chantagem política que alguns rancorosos e frustrados da política à portuguesa nutrem pelo sucesso desta presidência portuguesa da UE, direi que o seu propósito é só um: torpedear o Tratado de Lisboa e gerar um clima de paralisa da Europa que multiplique o "Não" francês e holandês ao referendo europeu no passado recente para, assim, melhor explorar o medo colectivo e voltar a criar condições de crise, de paralisia e de incerteza no processo de decisão da UE que tanta competitividade económica, social e política tem perdido para os EUA e o bloco asiático.
Tal como nas relações interpessoais, a chantagem e a ameaça em política integram métodos mafiosos que acabam sempre por se virar contra os seus fautores, por vezes de forma tão dramática quanto surpreendente. É uma questão de tempo.
Alia jacta est...
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