O paradoxo do Estado português - por Francisco Sarsfield Cabral -
O paradoxo do Estado português (in Público, 27 de Agosto de 2007)
O marxismo prometia acabar com o Estado. Mas só depois de uma ditadura, para eliminar os exploradores. Assim surgiu o Estado totalitário soviético.
Os liberais também não gostam do Estado, que alguns pretendem mínimo. A ideia de limitar radicalmente o poder político já circulava há mais de um século, quando a despesa pública no conjunto dos actuais membros da OCDE não chegava, em média, aos 13 % do PIB. Em 1937 essa média estava em 23 %. Mas em 1980 atingia os 43 %. Depois, a “revolução liberal” (no sentido de favorável à economia de mercado), que Reagan e Thatcher simbolizaram, o mais que conseguiu foi travar o ritmo de crescimento dos gastos do Estado (46 % do PIB em 1996, na OCDE). Com o envelhecimento da população nos países desenvolvidos, obrigando a financiar com impostos boa parte da segurança social e dos cuidados de saúde, tudo indica que o peso do Estado na economia não irá diminuir no século XXI.
Mas, sem cair em fantasias de Estado mínimo, em Portugal há que exigir maior eficácia na aplicação do dinheiro dos contribuintes. O nosso Estado é fraco e ineficiente, mas quer incessantemente aumentar, sem critério, as suas áreas de intervenção.
O centralismo na educação foi reforçado no ensino superior. A actual lei das rendas multiplica as intervenções administrativas. Com tal pesadelo burocrático, o arrendamento não anima e os portugueses continuam a endividar-se para terem casa. E mantém-se o apego dos governantes às “golden shares” e outros instrumentos de intervenção, permitindo-lhes “jogar ao Monopólio” com as empresas.
Na comunicação social a tendência governamental é para interferir em tudo. O que já levou à não promulgação do Estatuto de Jornalista pelo Presidente da República. O Presidente apelou a “uma lógica de auto-regulação que garantisse, quer às empresas de comunicação social quer aos jornalistas, um maior espaço de liberdade e de flexibilidade no acesso à profissão”. Aliás, nesta área o mais grave ainda está para vir, com a projectada lei sobre concentração nos “media”, que também permite “interpretações divergentes” (criticadas pelo PR no Estatuto). Ora a ambiguidade das leis, voluntária ou não, é uma porta aberta às intromissões arbitrárias dos poderes públicos.
No essencial, onde o Estado português se deveria concentrar, ele falha rotundamente. As leis só às vezes são cumpridas, parecendo ter mero valor indicativo (como denunciou Jorge Sampaio, quando Presidente da República). Há dias, a GNR não impediu, embora avisada, a destruição de uma plantação legal de milho transgénico no Algarve. Ninguém respeita os PDM e as áreas ditas protegidas. A construção caótica está à vista de todos. Os interesses particulares prevalecem sobre o interesse geral, que o Estado deveria assegurar.
Em proporção, não temos menos operadores na justiça do que a França, mas a ineficácia do nosso sistema judicial é conhecida. Na educação, em percentagem do PIB Portugal gasta mais dinheiro público do que a média europeia, com os resultados que se conhecem. A despesa do Estado português na saúde é de 7,4 % do PIB, contra a média de 6,5 % na OCDE.
A despesa social não conseguiu evitar sermos o país mais desigual da UE. E que as desigualdades aumentem. Um Estado sem autoridade prejudica os mais fracos. A lei da selva favorece quem tem poder.
É certo que o actual governo está a pôr ordem nas finanças do Estado, reduzindo o défice orçamental (abençoadas regras da moeda única, que a tal obrigam...). Ainda bem, até para virmos, um dia, a ter níveis aceitáveis de protecção social. Mas, em contrapartida, a ânsia regulamentadora do Governo aponta para alvos errados e ignora a inépcia do Estado.
Só na aparência é paradoxal que um Estado fraco seja tão intervencionista. Veja-se o caso do ensino: ao querer decidir tudo centralizadamente, tornámos ingerível o monstro da educação pública. Quando se pretende controlar tudo, não se controla nada.
Não haverá uma centelha de bom senso? Quem nos governa não perceberá que quanto mais tarefas atribuir à gripada máquina do Estado mais fomenta a corrupção? A burocracia resiste às tentativas de modernização e simplificação porque há quem ganhe com os seus entraves: alguns deles podem desbloquear-se mediante compensação. A corrupção é a irmã gémea do intervencionismo estatal.
P.S. Por motivo de férias, esta coluna não será publicada nas próximas três semanas, regressando a 24 de Setembro.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Confesso que apreciei ler mais este texto do Francisco, mesmo antes de ir para férias ele parece não estar cansado, e agora manda uma saraivada no governo que é qualquer coisa. Depois de ler este artigo fiquei com pena do governo gerido por Sócrates, que poderia ser menos interventor a bem do interesse comum. É claro que o Francisco é jornalista e desgosta de muita coisa que afectam a classe, e com razão, e Belém também concorda, mas não se percebe porque a razão o Estado - como acima é indicado - tendo a autoridade e os recursos para intervir, não o faz como deveria. Até parece que o Estado hoje só gere bem uma coisa: a tributação do imposto ao contribuinte.
Votos de boas férias ao Francisco. De preferência quando regressar encontre um Portugal um pouco melhorsinho. Duvido, mas... A esperança é a última a morrer.
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