sexta-feira

Modificações Genéticas - por António Vitorino -

MODIFICAÇÕES GENÉTICAS António Vitorino
jurista
Adestruição violenta de um hectare de plantação de milho transgénico, no Algarve, suscita duas questões importantes.
Em primeiro lugar é claro que se trata de um acto criminoso e como tal os seus autores devem ser devidamente punidos. As explicações pueris sobre as razões de saúde pública ou mesmo a curiosa invocação de que a destruição perpetrada por activista de cara semitapada se ficaria a dever à protecção do pólen ou a "razões estéticas" não podem afastar a aplicação efectiva da lei, tanto a título punitivo como preventivo de eventuais futuras réplicas. É imprescindível, pois, que os órgãos do Estado não subestimem o significado deste acto e apliquem agora rigorosamente a lei.
Este acto de vandalismo inscreve-se num padrão de acção violenta de grupos antiglobalização que é fomentado por alguns "comandos" bem organizados (entre os quais se distingue o denominado Black Blok), especializados em fomentarem actuações violentas como se viu no Conselho Europeu de Gotemburgo, em 2001, e no final do mesmo ano na Cimeira do G8 em Génova. Os atentados terroristas do 11 de Setembro de 2001 vieram isolar estes activistas que optaram pela discrição, mas que agora paulatinamente vão reaparecendo aqui e além.
Convém por isso perceber bem o que esteve na base desta iniciativa, quem a fomentou e que ligações internacionais estiveram presentes.
Para além da questão do foro criminal importa não escamotear a segunda dimensão deste acto de vandalismo. Segundo os seus promotores tratar-se-ia de introduzir no debate público a questão dos OGM, dos organismos geneticamente modificados.
Invocar tal pretexto é também totalmente despropositado e inadmissível!
Na realidade a autorização para produções agrícolas geneticamente modificadas há vários anos que está na ordem do dia. Para responder às complexas questões que se colocam, a comunidade internacional adoptou um conjunto de critérios que se traduziram na designação genérica de "princípio da precaução" e que está na base quer de moratórias de autorização de produção (como foi o caso durante algum tempo do próprio milho transgénico) quer de interdições.
Participei longamente nas discussões sobre o caso do milho transgénico na Comissão Europeia ao longo de quase dois anos. De par com a autorização para investigação em determinadas condições sobre células estaminais e com a interdição da importação de carne americana tratada com hormonas terá sido o dossier do milho transgénico o que mais tempo nos ocupou e que foi objecto de mais pareceres científicos e técnicos baseados no princípio do contraditório.
A conclusão a que se chegou foi a de que estavam no caso devidamente observados os critérios em que se traduz o "princípio da precaução", em função da evidência científica produzida e devidamente certificada por entidades independentes. Daí a autorização que foi endossada pelos Estados membros segundo os procedimentos apropriados.
É verdade que esta decisão foi do agrado de muitas multinacionais. Mas é bem mais longa a lista de desagrado dessas mesmas multinacionais sobre outros produtos geneticamente modificados que não foram autorizados com base na aplicação do mesmo "princípio da precaução". E não me parece sequer que o senhor Lameiras seja o rosto avançado dessas temíveis multinacionais...
É neste ponto que se coloca a questão da democracia! Com efeito o funcionamento de um sistema democrático, tanto no plano nacional como no plano europeu, significa não apenas o respeito por um conjunto de valores fundamentais (entre os quais figuram tanto a protecção da saúde pública e do equilíbrio ambiental como o da protecção da propriedade privada e da iniciativa individual) mas também o respeito pelos procedimentos democráticos da tomada de decisões.
Ora, no caso do milho transgénico, o processo de decisão compatibilizou aqueles valores e observou escrupulosamente as regras procedimentais exigidas. Pode-se naturalmente discordar das conclusões, mas não se pode contestar a sua legitimidade democrática e muito menos subvertê-la pelo recurso à acção directa e violenta. E isto tem de ser compreendido e acatado mesmo pelos democratas geneticamente modificados...
Obs: O sublinhado é nosso. Publique-se junto do maior número, incluindo aqui os "democratas geneticamente modificados", sub-produtos de um comunismo concentracionário falhado do Centro e Leste europeu e que agora encontra esteio nestes micro-projectos de violência e destruição osquestrada de propriedade privada (animados pela teoria da anti-globalização) a que o braço comprido da lei jamais deverá ser complacente. É bom ver que nem de férias o António Vitorino perde o humor, que é, como diria o Eça, o sorriso da razão.
Ocorre-me este paralelismo: entre destruir um hectare de plantação de milho transgénico ou destruir informáticamente um site com informação histórica, sociológica e politológica - como ocorreu no ISCSP esta semana - é quase a mesma coisa: ambos os "canalhas" aparecem de cara semi-tapada, se bem que aos poucos vão revelando a face e a natureza da sua verdadeira, vingativa e mesquinha personalidade.
Os crimes estão a mudar de natureza, os mandantes ocultam-se por detrás de procedimentos administrativos (quando podem), mas a lei deverá ser severa para todos eles.
Dura lex, sed lex... Ou como se diz no ténis: No mercy