segunda-feira

Sociedade civil ou sociedade servil - por Paulo Ferreira

NOTA PRÉVIA:

UM ARTIGO DURO PARA O GOVERNO E PARA A CIP. ALGUÉM TERÁ DE REPENSAR A FORMA DE FAZER POLÍTICA EM PORTUGAL...
Sociedade civil ou sociedade servil? (Público assin.) 18.06.2007 As alegadas interferências do Governo no estudo da CIP e o silêncio da maioria dos financiadores são sintomas altamente preocupantes.
Quando há uma semana a CIP tornou público o estudo que promoveu sobre a alternativa à Ota para construir o aeroporto de Lisboa, recebeu justificados aplausos pela iniciativa, ampliada pelo aparente recuo que o Governo logo se dispôs a fazer. De então para cá, vários dados foram sendo conhecidos sobre a génese do documento que aponta o Campo de Tiro de Alcochete como uma solução com menos impactos ambientais, mais próxima de Lisboa e mais barata. Essas informações em nada desqualificam o próprio documento, o seu rigor técnico ou a capacidade e honestidade científica de quem o elaborou. Nem tão-pouco a validade e utilidade das suas conclusões, já que não há nenhuma informação que aponte para qualquer interferência no trabalho dos técnicos. Mas o mesmo já não se pode dizer dos propósitos e contornos políticos que levaram à sua elaboração.
O próprio Francisco van Zeller já havia revelado que tinha conversado há meses com o primeiro-ministro, informando-o sobre a realização do estudo. Compreende-se que o tenha feito, por questões de cortesia e de um saudável relacionamento institucional. O que dificilmente se entende é que essas conversas tenham servido para definir como e quem haveria de promover o estudo e que o presidente da CIP tenha aceite essa interferência.
Como o próprio Van Zeller afirmou ontem, depois de Rui Moreira ter revelado alguns pormenores na entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, "o primeiro-ministro disse que preferia assim [a CIP como promotora única], pois tinha mais contactos e conhecimento com a CIP do que com as outras duas". As "outras duas" eram a Associação Comercial do Porto e a Confederação do Turismo Português. Em comum, estas duas confederações têm uma posição conhecida: defendem que é prioritário estudar a solução chamada de Portela+1, que consiste em manter a Portela em funcionamento, avançando-se para a construção de um aeroporto de apoio bem mais pequeno.
Não se percebe por que é que Sócrates havia de querer ter "mais contacto e conhecimento" com as entidades que se lançaram a fazer o estudo. Afinal esse estudo não deveria ser independente e contestar uma cega teimosia governamental com mais de dois anos?
Com não se entende que depois de formalmente informados sobre a iniciativa da CIP, Sócrates e Lino fossem tidos ou achados sobre o quem, o como, o quando ou o quanto do documento.
Estes dados levantam várias interrogações. A primeira é sobre a encenação governamental. O Governo sabia mais para além de que se estava a fazer um estudo. Ainda assim, comportou-se como se essa fosse uma atitude hostil, quando não era, reafirmando vezes a fio a sua opção pela Ota. E no final, mostrando-se surpreendido, dispôs-se a recuar.
A segunda é sobre o papel, voluntário ou involuntário, da CIP. Será que a confederação patronal não corre o risco de servir apenas os cálculos políticos do Governo, permitindo-lhe um adiamento para depois ficar tudo na mesma?
A terceira é sobre Cavaco Silva. O Presidente conhecia estes dados?
Por último, resta o financiamento do estudo. Se for verdade que Sócrates apadrinhou o projecto, não se entende que os empresários se escondam no anonimato, receando represálias governamentais por algo que podia ser visto como subversivo, mas não era.
Ainda que a realização do estudo fosse feita inteiramente à revelia do Governo, isto mostra como o condicionamento da opinião é um facto. É absolutamente inaceitável que os governantes usem as suas funções mais soberanas - aprovar legislação, decidir concursos públicos e negócios do Estado - como arma para calar vozes contrárias e como moeda para traficar silêncios.
Mas mostra também como homens de negócios aparentemente poderosos e abastados são, afinal, homens com pouca liberdade. Porque preferem calar-se e tratar da sua vidinha e da das suas empresas a defender convicções e ajudar a promover o bem público. É desta sociedade civil que também se faz a desgraça do país.
Paulo Ferreira