segunda-feira

Realismo e ilusão na UE - por Francisco Sarsfield Cabral -

18.06.2007, Francisco Sarsfield Cabral

O "tratado simplificado" não simplificará coisa alguma se se adicionar aos anteriores

Se o Conselho Europeu desta semana lograr um acordo sobre o essencial de um novo tratado (o que é duvidoso), algo será devido ao Presidente francês. Apesar de a França não fazer parte da actual troika de presidências da União Europeia (Alemanha, Portugal e Eslovénia), Sarkozy deu uma machadada final nas pretensões dos 18 países da UE, a começar por Espanha, que tinham ratificado a “constituição” e a pretendiam ressuscitar.

Sarkozy também foi decisivo para se abandonar a ideia – vaidosa, pouco honesta e que se revelou fatal nos referendos - de chamar constituição a um mero tratado. Caminha-se, assim, para um mais realista “minitratado” ou “tratado simplificado”.

Poderá, assim, ser ultrapassado o impasse criado pela rejeição do proposto tratado constitucional por franceses e holandeses, há dois anos. Mas está longe de ser satisfatório.

Primeiro, porque o “tratado simplificado” não simplificará coisa alguma. O futuro texto virá adicionar-se aos anteriores e não substituí-los. Permanecerá, assim, o emaranhado de disposições que hoje governam a Europa comunitária. Nada que ajude a aproximar os cidadãos das instituições europeias.

Ora o mais sério problema da integração europeia é o crescente alheamento e até hostilidade das opiniões públicas face à UE. Perante este divórcio, os políticos europeus ainda não encontraram melhor solução do que fugir ao olhar crítico dos cidadãos, fazendo as coisas pela calada. Veja-se a obsessão de evitar referendos.

O que se passou nos últimos anos mostra que os europeus sentem que falta legitimidade democrática às instituições da UE. Mas isso parece não preocupar os dirigentes políticos, que insistem na via tecnocrática e furtiva. E deixaram cair ideias úteis para combater o défice democrático. Como, por exemplo, criar no Parlamento Europeu uma segunda câmara, um senado onde todos os Estados membros tivessem representação igual, à semelhança do senado americano.

Para quê, então, mudar o actual tratado? Por uma razão de eficácia no processo de decisão, para a UE poder funcionar com 27 ou mais países. Eu próprio invoquei muitas vezes este argumento para justificar a necessidade de uma reforma institucional.

Só que, com 27 membros, a UE não paralisou, apesar de ainda se governar pelas complicadas regras do Tratado de Nice. “Chego à conclusão, aparentemente paradoxal, de que a tomada de decisões é mais fácil agora”, disse Durão Barroso ao Jornal de Notícias do passado dia 1.

Mas é preciso alargar o número de decisões em que a unanimidade no Conselho não seja exigida, pois surgirão problemas onde será impossível pôr todos de acordo. E o imperativo de democratizar o funcionamento da União aconselha a reter do falhado tratado constitucional a regra da dupla maioria (de Estados membros e de população) nas decisões do Conselho. Regra a que a Polónia se opõe, porque Nice lhe deu quase tantos votos como à Alemanha.

Também seria bom que novas regras trouxessem maior transparência ao processo de decisão. Agora, boa parte desse processo acontece nos corredores e em contactos bilaterais, através da internet, entre as capitais. Ora a opacidade do processo comunitário de decisão afasta as pessoas e afecta a imagem da UE.

Mas estes pequenos progressos, a concretizarem-se, ficarão longe de dar resposta cabal ao afastamento das opiniões públicas, evidente na cada vez maior abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu. Teremos de esperar por uma nova geração de políticos.

Os actuais, além de pouco empenhados na democratização da UE, continuam a embarcar em ilusões institucionais. Como a criação de um ministro dos Negócios Estrangeiros da UE, com este nome ou outro. Não é que daí venha grande mal e até pode vir algum bem. É sensato unificar os protagonistas da politica externa da UE, competência agora repartida entre o representante do Conselho, Solana, e a Comissão.

O problema é a ilusão de que, criando uma figura institucional, logo virá o conteúdo para lhe dar substância. É uma ilusão recorrente na UE.

Mas já será alguma coisa se o futuro tratado puser termo à crise desencadeada pelos “nãos” da França e da Holanda. Talvez esse passo, sobretudo simbólico, ajude a travar o patriotismo económico que ameaça destruir o mercado único. Aí, hélas!, já não é de esperar grande ajuda de Sarkozy. Não se pode ter tudo.

Francisco Sarsfield Cabral Jornalista

Obs: Publique-se pelo realismo. Especialmente no dia em que a RTP passará um programa no Prós & Contras sobre a futuro da Europa, mas o que é mais estranho, com o devido respeito pelos drs. Mota Amaral e Carlos Carvalhas - já para não falar no homem ainda em fuga hoje presidente da Comissão, é esse mesmo programa não ter como convidados especialistas na Europa. Já aqui temos referido que a dona Fátima tem consultores a mais que falham o alvo, mas assim a República fica a saber que nas vésperas do debate da UE, da presidência portuguesa e da reconfiguração e calibragem dos poderes internos na UE - em Portugal a estação pública de tv acha que os maiores contributos para esse debate são a brigada do reumático dos aparelhos partidários hoje a gozar a reforma política. Estamos conversados. Poderiam ter convidado o doutor Adriano Moreia - ele aceita sempre, e à propos do Papa também era capaz de debitar umas generalidades sobre esse Velho Continente - hoje em busca duma liderança, dum projecto e dum desígnio. Coisa que já não tem desde que Jacques Delors desapareceu de cena.