Portugal 74 por Paulo de Carvalho: falar e fazer falar de si. Sócrates vai dar sangue
Portugal 1974
Hoje estou completamente sem assunto, mas veio-me à memória o Paulo de Carvalho, uma das melhores vozes e intérpretes do país que anda para aí a fazer novelas maradas para ganhar a vida. É também isto que Portugal faz aos seus filhos.. Até o Ruy de Carvalho, magnífico actor de teatro, tem de recorrer às novelas para ganhar a vidinha. Confesso que isto é deprimente, não por ser actor ou representar seja uma função secundária, mas porque se trata de desvirtuar a verdadeira vocação das pessoas, e nessa desvirtuação o país perde um excelente músico que acaba em mediano actor de novela, ou perde um excepcional actor de teatro para fazer papéis da treta em novelas da tanga. Infelizmente, o país é pequeno, as oportunidades são poucas e as pessoas, mesmo que já consagradas, têm de recorrer a esses expedientes para ganhar a vidinha. Um outro exemplo que me chocou foi saber que aqui há uns anos o campeão mundial de atletismo, o grande Carlos Lopes, que no ano em que ganhou o título passava eu férias em Albufeira e fiquei com a casa submersa - por razões que agora não vêm ao caso, teve de andar a vender aspiradores: um atleta de alta competição a vender aspiradores... Sem qualquer desprimor para quem já o fez. Hoje apareceu uma notícia que fronteira o real e o virtual, no meio dessa nubelosa esteve Socas, o PM de Portugal, que resolveu ir dar sangue ou ser dador de medula óssea. É bonito!!! Mas será que se Socas fosse um chefe de divisão da Direcção Geral do Ambiente também o faria? Mesmo que fosse ajudante do ministro do Ambiente - abalançar-se-ía para tal atruísmo? Tenho dúvidas. É certo que a preocupação constante do político é a de não ser esquecido, ele tem de estar constantemente em cena, aparecer, falar. Veja-se o caso de Alberto João da Madeira - que tem sido omnipresente ao longo destes 30 anos. Aliás, se se perguntar a alguém como se chamam os seus colabodores/subordinados ninguém sabe o nome deles, assim como desconhecemos o nome do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha. Creio que Socas aqui exagerou do seu papel público de PM, não por duvidar das suas boas intenções, mas então se o quisesse fazer falo-ía a um Domingo de manhã, discretamente alí na Cruz Vermelha por trás do Jardim Zoológico - e só meia dúzia de pessoas saberiam que o PM era dador, além dos macacos e das girafas, por maioria de razão (têm o pescoço mais longo, vêem sempre tudo...).Fazê-lo com este aparato as pessoas vão logo pensar que Socas está a fazer mophing, i.é, a tentar apagar uma má imagem e a reconstruir na tela da opinião pública uma imagem mais favorável que faça esquecer a anterior ligada ao caso Uni-connection e ao seu canudo. Qualquer estagiário em marketing político, que é o que são os seus assessores, diagnosticará isto em duas penadas. Mas o risco destas derivações e destes excessos é que amanhã poderemos ver Socas a comentar um jogo Boavista - Porto, a fazer de guia a uma prova de ciclismo, a fazer de juíz (dada a inoperância da Justiça em Portugal), a arbitrar uma partida de râguebi, ou a apitar um solteiros casados na sua terra, em Castelo Branco. Com estas jogadas de marketing - que diria primário - qualquer dia veremos ainda o PM a fazer de bombeiro no Verão tentando sobreviver a um qualquer incêndio. Isto em si não é mau, mas rouba-lhe tempo para ele pensar as medidas verdadeiramente infra-estruturantes sobre as grandes questões do momento, como a distribuição da riqueza, o desemprego, o take-of económico, a atracção de investimento de qualidade, a regulação da globalização, a afirmação da influência de Portugal na Europa, em África e no Mundo. Ante todas estas necessidades estratégicas, o que faz o PM? Vai dar sangue... Mau grado a comparação, esta jogada de Socas, porventura ventilada por um daqueles assessores com alguma post-graduação nos States que o celebrizou intra-muros como génio da comunicação (deve ser o mesmo imberbe que ameaçou o Francisco Sarsfield Cabral com um processo em tribunal no caso da Uni-connection..) faz-me lembrar aquelas situações nos filmes de Woody Allen, quando ele está quase em vias de facto com a sua parceira na cama. Ela continua a esperar que ele se decida a avançar, mas Woody nada. O que Woody Allen faz é levantar-se e dirigir-se à prateleira e sacar o diccionário para ver o sinónimo da palavra ejaculação precoce. Por cá o PM foi dar sangue num Portugal que precisa de estancar...
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