Um testemunho importante de um "estrangeirado" altamente qualificado: um self-made man
Depois de 30 anos nas Nações Unidas, Victor Ângelo quer voltar a Portugal
«Ter emprego é como achar um diamante»
Como vê a participação dos portugueses dentro da ONU?
Gostaria de ver mais portugueses nas Nações Unidas, penso que é importante para a imagem do país. As forças de segurança só têm a ganhar em ir para missões no estrangeiro. Os custos são pagos pelas ONU e os elementos ganham experiência. É importante para modernizar as forças de segurança nacionais.
Começou por baixo e agora é subsecretário-geral. Até onde pretende chegar na ONU?
Provavelmente no fim deste ano direi adeus. Está na altura de regressar a casa. Mas não vou à procura de emprego, não ambiciono nenhum cargo político. Volto para, como muitos reformados, ficar sentado num banco de jardim.
Saio das Nações Unidas porque quero, saio pela porta grande porque consegui muitas coisas. Mas sei que há muitos portugueses bastante qualificados, que deram muito ao país. Eu sou um estrangeirado, passei 30 anos fora.
Estando de fora, como vê a situação Portugal?
Em Portugal há muitos altos e baixos. Tenho acompanhado as notícias para me manter actualizado, mas não sei a fundo a situação do país. Acho que as dificuldades sociais são o principal problema. Há muitas pessoas a viver com dificuldades, depois é preciso diversificar o tecido económico para gerar novos empregos. A questão do investimento também é muito importante. E depois há várias zonas do país em que é preciso dar mais atenção à segurança.
Delineou a missão na Serra Leoa, que é inovadora no contexto da ONU. Em que consiste?
Baseia-se em quatro áreas: segurança, democratização, direitos humanos e desenvolvimento. Estamos a acompanhar estas áreas para que se desenvolvam simultaneamente.
Perspectiva-se uma mudança para breve?
A recuperação do país é um bom exemplo. A guerra civil acabou em 2002 e o país estava destruído. Hoje em dia, as estruturas estatais funcionam, a polícia é eficaz.
A classe dirigente é muito boa, estudou nas melhores universidades do mundo. Só que o resto da população não acompanha. Penso que há uma perspectiva de melhoria, mas o problema é gerir as expectativas das pessoas. Estão muito elevadas, mas a nossa capacidade de intervenção ainda é muito reduzida.
Depois de muitos terem visto o filme «Diamante de Sangue», em que é que a realidade da Serra Leoa é diferente da descrita na película?
É um país muito pobre. Tem quase o tamanho de Portugal, mas cerca de metade do país não tem energia eléctrica e a outra metade tem duas localidades em que há electricidade durante algumas horas. Mesmo na capital, só algumas famílias têm acesso à rede pública de electricidade, que funciona à base de geradores. Em Freetown, apenas 15 por cento da população está ligada à rede de água. Se é assim na capital, imagine no resto do país. Freetown tem um milhão e 100 mil habitantes e não tem uma rede de tratamento de lixos.
Depois não há emprego. Nas cidades, as pessoas vivem de actividades informais, vendem coisas na rua, fazem reparações debaixo das árvores. No campo, vivem de uma agricultura muito rudimentar. Mas são todos pobres.
A administração pública é pouco capaz porque 85 por cento dos funcionários têm habilitações ao nível do ensino básico. Não se pode fazer uma administração pública nessa base.
Em termos de saúde também é muito complicado. Há um grande risco de as mulheres morrerem durante a gravidez ou durante o parto e um grande índice de mortalidade infantil.
Todas as circunstâncias fazem com que tenham uma atitude de grande fatalismo, que impede o desenvolvimento do país. Aqui, o desenvolvimento também passa pela mudança de mentalidades.
Na Serra Leoa há uma grande disparidade entre os direitos dos homens e das mulheres, mas uma das grandes vitórias que conseguimos foi que, durante este recenseamento eleitoral, 48 por cento dos recenseados são mulheres. Quase metade. Há cinco anos, seriam muito menos.
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