Uma singela evocação a Jean Baudrillard
Jean Baudrillard tornou-me um ser mais plural: nos desejos, nos interesses intelectuais, nos recursos cognitivos e afectivos que apuravam e faziam apelo as nossas identidades e, por tudo isso, alavancou uma curiosidade sociológica acrescida no espaço das ciências sociais. Realidade e virtualidade, com os seus simulacros e representações das guerras, do terrorismo, das interacções sociais, do desaparecimento da história, da greve dos acontecimentos, como ele dizia, tudo nele foi tão paradoxal quanto original, polémico e estimulante. Com as suas teorias do hiperespaço da simulação, em que a realidade perderia toda a validade objectiva, bebi de Baudrillard muito do que me foi útil ao longo destes últimos 20 anos. Baudrillard ensinou-me a ser cirúrgicamente céptico, a saber desconfiar das essências porque aquilo que ele entendia ser o desaparecimento da história e da greve dos acontecimentos, que ganhou uma nova dinâmica a partir da queda do Muro de Berlim e com as subsequentes revoluções de veludo em todo o Centro e Leste europeu, não derivava só da aceleração da história, que antingia um ponto de não retorno. E era aí que se situava a sua originalidade, o descobrimento do acontecimento mais significativo que ganhava côr com a sua própria mobilização, como se dum processo revolucionário se tratasse. Hoje todos nós sentimos que as nossas vidas caíram não numa ausência de contactos e de informação ou de comunicação; ao invés, as nossas vidas ficaram prisioneiras dessa multiplicação saturante dos contactos que por vezes nos destroem, e daí nasce a tal hiperdensidade das cidades, das mercadorias, das mensagens e dos circuitos ou canais por onde flui tudo isso. E se essa engrenagem tecno-social nos trás vantagens, também é certo que ela nos encerra na indiferença dos acontecimentos, por efeito de saturação, de neutralidade, de falsificação da história que é, por regra, servido no écrã da caixa negra que, por acaso, perfaz hoje 50 anos em Portugal. A meretriz da história é assim: enquanto uns morrem, outros acontecimentos sobrevivem - só para provaar aos homens que duram mais do que eles. E esse é o ciclo da vida que comporta, naturalmente, o desaparecimento. Baudrillard lembrou-me muitas coisas, ensinou-me outras tantas que nem sei sistematizar. O que sei é que havia um mundo cognitivo antes de Baudrillard, e passou a haver um hiper-mundo com a sua vivência entre nós. Hoje, muito dificilmente voltaremos a encontrar a música anterior à esterofonia, salvo por simulação, nem a história prévia à informação e aos media. Até porque a essência de cada uma dessas coisas originais da história pura e simplesmente, desapareceram, hoje só as conseguimos recuperar por via da "tal" simulação. Todavia, ao recorrer à simulação sabemos, antecipadamente, que já não conseguimos isolar essas coisas do seu modelo de perfeição original. E quando caímos nessa consciencialização entramos simultaneamente no modelo de simulação que Baudrillard teorizou como nenhum outro teórico nos últimos anos. Jean Baudrillard mostrou-me como funciona a hiper-realidade que não só apaga a história, como também nos deixa impotentes e desarmados de conceitos operacionais para entender, racionalizar e explicar o novo mundo com todas as coisas emergentes lá dentro. Baudrillard atingiu o nosso ser e, de certo modo, deixa-nos perplexos acerca de quem somos, o que fazemos aqui e até para onde vamos. Se assim for, esperemos que as (suas) simulações emergentes sejam boas e nos ponham todos em contacto uns com os outros de forma criativa, e saudável. Obrigado por tudo - Jean Baudrillard.
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